Título: Fazenda de cana tinha 1.108 como escravos
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 03/07/2007, O País, p. 12

É o maior número de trabalhadores libertados desde 1995, quando o atual sistema de blitz começou.

BRASÍLIA. Operação do Ministério do Trabalho, realizada em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho, libertou 1.108 trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo numa fazenda de cana-de-açúcar no Pará, voltada para a produção de etanol. É o maior número de trabalhadores libertados desde 1995, quando foi criado o sistema atual de fiscalização do trabalho em condições semelhantes à escravidão. O total representa cerca de um terço de todos os trabalhadores libertados no ano passado - 3.308.

Os trabalhadores, contratados pela Pagrisa (Pará Pastoril e Agrícola S/A) em Ulianópolis, a 250 quilômetros de Belém, eram mantidos em condições degradantes. A empresa, da família Zancaner, instalou-se no Pará na década de 60 e produz cerca de 40 milhões de litros de álcool por ano. Num acordo com os trabalhadores, mediado pelos fiscais, as indenizações - de aproximadamente R$1,8 milhão no total - começarão a ser pagas hoje e devem ser quitadas até o fim da semana, segundo o procurador do Trabalho Luís Antônio Fernandes, que participa da operação.

Água imprópria e alojamentos superlotados

A maior parte dos trabalhadores é do Maranhão e do Piauí. A fiscalização teve início no último dia 28 e constatou irregularidades como superlotação nos alojamentos e descontos excessivos no pagamento dos salários. Eram descontadas despesas com alimentação e remédios, mesmo que a doença fosse decorrente de acidente de trabalho. Os preços eram superiores aos de mercado.

Havia contracheques zerados ou com saldo inferior a R$10. Para evitar que os vencimentos fossem inferiores aos descontos, havia um item chamado "crédito de complementação de salário", adotado para aumentar o montante. Essa complementação seria descontada do salário do mês seguinte - se houvesse saldo. O comércio local cobrava uma comissão para trocar os cheques pagos aos trabalhadores.

Segundo relatório preliminar do Ministério do Trabalho, em alguns alojamentos, o esgoto corre a céu aberto e é despejado na represa utilizada pelos trabalhadores para tomar banho e lavar roupas. Em algumas frentes de serviço não há banheiros, nem local reservado para alimentação. Os empregados eram obrigados a comer sentados no chão, embaixo de caminhões ou sobre suas garrafas térmicas. Nem todos tinham equipamentos adequados.

Os trabalhadores reclamaram da qualidade da água e da comida. Segundo o ministério, a água oferecida não é tratada, tem gosto de ferrugem e é imprópria para o consumo humano. A comida não é bem acondicionada e chega aos pontos de serviço azeda, causando infecções intestinais. Os trabalhadores disseram sofrer humilhações diárias dos fiscais de campo.

O deslocamento para as frentes de serviço era feito em ônibus sem condições de transporte. Às vezes, os trabalhadores faziam o trajeto a pé, andando vários quilômetros. Eles saíam de casa por volta de 4h30m e só retornavam às 17h30m, com um pequeno intervalo para o almoço. O GLOBO tentou localizar os donos da fazenda, mas eles não foram encontrados.