Título: Apesar de você...
Autor: D'Ercole, Ronaldo e Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 03/07/2007, Economia, p. 25

Empresas brasileiras ignoram política de Chávez, e vendas à Venezuela saltam 685%.

Adespeito das recentes desavenças entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, as empresas brasileiras nunca exportaram tanto para a Venezuela. Ano passado, foram US$3,565 bilhões, valor 685,2% superior aos US$454,4 milhões de 1996. A participação da Venezuela na pauta total de exportações brasileiras chegou a 2,59%, contra 0,95% 11 anos antes. O país já ocupa a décima posição no ranking dos principais destinos das exportações do Brasil.

Mesmo com os riscos políticos que rondam o país, a Venezuela também tem atraído investimentos de um número crescente de empresas brasileiras. Há duas semanas, a Gerdau comprou a Siderúrgica Zuliana (Sizuca), terceira maior produtora de aços da Venezuela, por US$92,5 milhões. A Braskem está em fase final de negociação de uma joint venture com a PQVEN, a estatal petroquímica venezuelana, para a construção de duas unidades, por US$2,9 bilhões.

- A Venezuela tem uma economia em expansão e demanda interna crescente, assim como grande disponibilidade de energia, sucata e minério - afirmou o diretor-presidente da Gerdau, André Gerdau Johannpeter.

Nas relações comerciais, embora ainda longe da Argentina - o principal parceiro do Brasil na região importou US$11,7 bilhões em 2006 -, a Venezuela traz mais vantagens, porque as compras se concentram em bens manufaturados. Em 2006, os celulares, com US$699,7 milhões, encabeçaram a lista dos mais vendidos, seguidos de automóveis (US$301 milhões).

- A Venezuela compra basicamente produtos manufaturados do Brasil. O que é bastante salutar do ponto de vista de utilização de mão-de-obra e tecnologia, já que o país é grande exportador de commodities - observa o vice-presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. - Claramente, há muito da afinidade política entre os dois presidentes nessa evolução do comércio bilateral.

Vizinho dificulta operação de câmbio

Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que os manufaturados representaram 89%, ou US$3,2 bilhões, das vendas totais aos venezuelanos em 2006 (US$3,56 bilhões). De produtos básicos, vieram US$200 milhões. Mesmo o setor automobilístico brasileiro, que em razão do câmbio vem amargando perdas em volume exportado nos últimos dois anos, tem na Venezuela um importante mercado. Das 897.100 unidades exportadas em 2005, 38.900 tiveram como destino o país vizinho. Ano passado, enquanto os embarques totais do setor caíram para 842.800 veículos, a Venezuela comprou 44.500, tornando-se o quarto maior importador de carros do Brasil - atrás de Argentina, México e África do Sul, e praticamente empatada com a China.

- Chávez provavelmente deixou de comprar muitos itens dos EUA e também da União Européia, por questões políticas, e seu fornecedor natural passou a ser o Brasil, pela maior proximidade geográfica e política - afirma Castro, da AEB.

Apesar do comércio crescente, para evitar a evasão de divisas do país com o avanço das nacionalizações, o governo Chávez começou a dificultar o fechamento de câmbio para importações e exportações. De um ano para cá, o governo tem se utilizado de um órgão vinculado ao Banco Central e ao Ministério de Finanças para retardar o fechamento das operações. Tal procedimento levou a Fiesp e a Abinee, entidade que reúne a indústria eletroeletrônica, a pedir ao Congresso brasileiro que interfira para dar agilidade a pagamentos em atraso de mais de US$100 milhões em vendas realizadas há mais de três meses.

- Com menos de 90 dias, ninguém recebe. Não tem sentido esse controle de divisas - queixou-se o presidente da Abinee, Humberto Barbato.

Os problemas não ameaçam, ao menos por enquanto, as relações econômicas. Desde 2002, somente BNDES e Petrobras desembolsaram cerca de US$2,3 bilhões para financiar projetos na Venezuela. A Odebrecht, que acabou de concluir a obra da Linha 4 do Metrô de Caracas, financiada por US$107,5 milhões do BNDES, comemora em setembro 15 anos de sua subsidiária local.

- A Odebrecht não tem e nunca teve problemas de relacionamento com o governo Chávez - disse ontem um porta-voz da empresa.

A Petrobras tem na Venezuela apenas a produção de pequenos campos terrestres, mas continua negociando diversos projetos com a estatal PDVSA. Ano passado, foi obrigada a passar o controle desses campos para a PDVSA. Com isso, teve redução de R$370 milhões em sua receita na Venezuela em 2006, e seu lucro no país caiu 42,6%, para R$94 milhões.

Os projetos maiores e mais próximos de serem realizados são a construção de uma refinaria no Nordeste e a exploração conjunta do Campo Carabobo 1, na Venezuela, com produção estimada em 150 mil barris diários de petróleo extrapesado. Petrobras e PDVSA também querem desenvolver campos de gás na Venezuela, com investimento de US$2,2 bilhões. E a estatal brasileira já testa a exportação de etanol para a Venezuela.

A balança comercial brasileira bateu mais um recorde, desta vez no primeiro semestre. Houve superávit de US$20,662 bilhões. O aumento das exportações, de 19,9% sobre o mesmo período de 2006, surpreendeu o governo, que esperava 10,9%. O secretário de Comércio Exterior, Armando Meziat, citou, entre os fatores de impulso, o aumento da produtividade e a inovação tecnológica.

Com o câmbio valorizado e o aquecimento da atividade industrial, as importações no primeiro semestre subiram 26,6%. Houve crescimento de todas as categorias de produtos. Em junho, a balança ficou superavitária em US$3,816 bilhões.

COLABORARAM Ramona Ordoñez e Eliane Oliveira