Título: Bolha na bolsa?
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 03/07/2007, Economia, p. 26

Do começo de 2003 até hoje, a bolsa brasileira já subiu quase 400%, só perde para a da China. Se a conta for feita em dólar, dá mais de 770%, porque a moeda americana caiu no período. Ontem ela bateu recorde de novo. Este ano, umas 60 empresas estão abrindo o capital, e também este ano as empresas listadas na Bovespa já captaram perto de R$ 15 bilhões. Bolha ou etapa natural do crescimento do mercado?

Os especialistas acham que a alta está muito bem fundamentada. Houve várias mudanças na estrutura do mercado desde os últimos ciclos de alta: mais pequenos investidores; novas regras de governança; maior produtividade das empresas; o fenômeno do home broker (hoje já são 113 mil), o bem informado investidor que, de casa, faz seus negócios.

- Os preços estavam deprimidos, e as empresas brasileiras tiveram ganhos de produtividade e lucro crescentes, tanto que, apesar da alta, o PL (relação preço/lucro) não está muito diferente de antes - diz Álvaro Bandeira, da Ágora.

Velhos defeitos da economia brasileira continuam rondando o mercado, por mais que ele se renove. O Banco do Brasil está no Novo Mercado, que pressupõe regras de governança, mas está sendo loteado politicamente; a Cosan fez uma mudança societária em que cada ação do controlador vale tanto quanto dez ações do minoritário, a Sadia enfrenta investigação da SEC por suspeita de uso de informação privilegiada.

Ricardo Pinto Nogueira, diretor-técnico da Bovespa, diz que o acionista do Banco do Brasil está protegido pelas regras do Novo Mercado.

- É direito do controlador escolher a diretoria, mas é obrigação de quem está no Novo Mercado ter uma parte dos conselheiros independentes - explicou.

João Batista Fraga, superintendente de empresas da Bovespa, explica que os conselheiros são eleitos e o controlador tem grande chance de eleger seus candidatos:

- Não é importante quem escolhe, mas quem é o conselheiro. Pelas regras, ele não pode ter vínculo com o controlador, não pode ter sido empregado. Claro que o controlador tem mais votos e pode eleger, mas com 10% dos votos de minoritários pode ser eleito um conselheiro.

Uma das virtudes do Novo Mercado é exigir que as ações tenham direito a voto. Isso acaba com um velho defeito do mercado de capitais brasileiro: o dono vendia três vezes mais ações sem direito a voto - as preferenciais - e, com uma parte pequena do capital, tomava todas as decisões como se fosse empresa de capital fechado.

Na semana passada, a Cosan anunciou uma operação que o mercado estranhou, e a ação caiu dois dias. A empresa é controlada por Rubens Ometto, que tem 52% das ações. Pela operação, a parte de Ometto torna-se uma empresa com sede nas Bermudas. Deixa de ser brasileira; vira a Cosan Limited. Essa empresa vai vender ações no valor de US$2 bilhões, só que a companhia terá duas classes de ações: na classe A, uma ação vale um voto; na classe B, do controlador, cada ação vale dez votos. Com 10% do capital, ele controla a companhia. Ofereceu também para o acionista local a possibilidade de troca da ação aqui, pela da empresa estrangeira.

- O acionista local achou que estava perdendo poder e, por isso, a ação caiu - avalia Luiz Chrysostomo, da Neo Investimentos.

- A Cosan brasileira está no Novo Mercado e tem que seguir as regras. A nova empresa pode fazer o que quiser, os acionistas podem migrar. Mas quem não quiser migrar não pode ser obrigado. Além do mais, existe a obrigação do free floating, ou seja, 25% das ações têm que estar no mercado. Se cair abaixo disso, ela tem que sair do Novo Mercado - diz João Batista.

No caso da Sadia, houve indícios de que diretores compraram ações da empresa pouco antes da proposta de compra da Perdigão e venderam pouco antes da retirada da proposta. A CVM iniciou investigação, e os diretores também estão tendo que responder na SEC.

Em outros ciclos de alta, a Bovespa era pequena, dominada por poucas empresas estatais, com total falta de transparência na relação com minoritários. Agora há muito mais chance de se criar as bases de um verdadeiro mercado de capitais. Mesmo assim, nenhum mercado no meio de um boom está livre do risco da empresa que surfa na onda sem lastro.

Ricardo Pinto e Luiz Chrysostomo, que entrevistei na Globonews, acreditam que a auto-regulação do mercado afastará as picaretas.

- Temos uma legislação muito avançada, melhor que a de outros países emergentes, e o mercado é auto-regulado - diz Ricardo Pinto.

- Hoje há mais informação, e o investidor tem que ser um pouco seu próprio analista - diz Chrysostomo.

Em 2002, a Bovespa movimentava menos de US$200 milhões por dia. Hoje movimenta US$1,9 bilhão. De onde vem todo esse dinheiro? Em parte, de fora.

- Nos IPOs (ofertas iniciais), normalmente 3/4 do capital é estrangeiro - conta Chrysostomo.

- Vieram 250 mil novas pessoas físicas para a Bolsa. Elas estão vindo por causa da queda das taxas de juros, que vai continuar - diz Ricardo.

Tanto Álvaro Bandeira quanto Ricardo e Chrysostomo acham que o ciclo de alta pode continuar, principalmente porque a liquidez internacional continua alta, o mundo continua crescendo.

Mas não há bem que dure para sempre, e é bom lembrar que, há cinco anos, todas as bolsas do mundo estão subindo.

Bolha na bolsa?

Do começo de 2003 até hoje, a bolsa brasileira já subiu quase 400%, só perde para a da China. Se a conta for feita em dólar, dá mais de 770%, porque a moeda americana caiu no período. Ontem ela bateu recorde de novo. Este ano, umas 60 empresas estão abrindo o capital, e também este ano as empresas listadas na Bovespa já captaram perto de R$15 bilhões. Bolha ou etapa natural do crescimento do mercado?