Título: Pobreza recua, mas desigualdade aumenta no mundo
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 03/07/2007, Economia, p. 29

Proporção de pobres caiu de 31,6% para 19,2% entre 1990 e 2004, diz ONU. Disparidades, porém, cresceram em quase todos os países.

O mundo avançou no combate à pobreza e deve alcançar a meta de reduzir à metade o número de pessoas vivendo com menos de US$1 por dia até 2015. Mas, se a pobreza caiu, a desigualdade aumentou na maioria dos países em desenvolvimento. E as nações ricas, por sua vez, não cumpriram a promessa de elevar a ajuda aos países pobres. Pelo contrário: no ano passado, houve uma queda de 5,1% nos recursos destinados à ajuda para desenvolvimento.

Essas são as principais conclusões do relatório anual da ONU sobre os progressos no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), um conjunto de oito metas que 191 países, entre eles o Brasil, se comprometeram a perseguir. A principal meta - de reduzir a pobreza à metade - está bem encaminhada: em 1990, 31,6% da população nos países em desenvolvimento viviam abaixo da linha da pobreza; hoje são 19,2%.

Entretanto, os ganhos de renda da população, que retiraram 270 milhões de pessoas da pobreza, foram maiores para os mais ricos. Com isso, a desigualdade aumentou muito. Em 1990, nos países em desenvolvimento, os 20% mais pobres da população apropriavam, em média, 4,6% da renda nacional. Em 2004, essa parcela caiu para 3,9%.

"Estamos na metade do caminho desde a adoção dos Objetivos do Milênio (compromisso assumido em 2000) e a data de referência, que é 2015. Até agora, os resultados foram mistos", afirma Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, no relatório divulgado ontem.

Mesmo na América Latina, região mais desigual do planeta, houve piora: os mais pobres ficavam com míseros 2,7% da renda nacional em 2004, contra 2,8% em 1990. Apesar de não haver dados específicos sobre o Brasil no relatório divulgado ontem, Ana Rosa Monteiro Soares, técnica do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), afirma que a desigualdade de renda caiu no país recentemente. Porém, ainda é muito elevada, assim como outras formas de disparidade - regional, racial, entre zona rural e cidade etc.

Brasil já alcançou meta da ONU de reduzir pobreza à metade

Ana Rosa lembra que o Brasil já alcançou a meta da ONU de reduzir à metade o número de pobres. E o país tem grandes chances de alcançar o objetivo traçado pelo próprio governo brasileiro de diminuir o indicador para um terço do que era em 1990.

- As estimativas são de que 4 milhões de pessoas tenham deixado a extrema pobreza no Brasil. Isso ocorreu graças ao Bolsa Família e a outros programas sociais. Agora, o foco tem que ser discutir a sustentabilidade dessas políticas. Houve avanços, mas ainda há muito a fazer. A erradicação da fome ainda não ocorreu - diz Ana Rosa.

A meta do Brasil de erradicar a fome é mais ambiciosa do que a estabelecida pela ONU, que prevê redução à metade do número de pessoas com insuficiência de alimentos. O relatório divulgado ontem mostra que, entre 1990 e 2004, o número de crianças com menos de 5 anos abaixo do peso caiu de 33% para 27% do total nos países em desenvolvimento.

O alívio da fome no mundo, assim como da pobreza, foi muito influenciado pelo bom desempenho de China e Índia. Os dois países, juntos, têm mais de um terço da população mundial e experimentaram forte crescimento econômico nos últimos anos. Entretanto, a ONU vê riscos para o cumprimento da meta de redução da fome à metade. No ritmo atual, o mundo vai "errar o alvo em 30 milhões de crianças".

População sem saneamento básico subiu de 35% para 50%

O relatório destaca melhoras na África Subsaariana, região que, em análises anteriores da ONU, era apontada negativamente por seus poucos avanços. Depois de ficar praticamente estagnado na década de 90, o índice de pobreza na região caiu de 45,9% para 41,1% entre 1999 e 2004. Mas, ainda assim, é de longe o mais alto do mundo.

Houve melhorias também, no mundo inteiro, na educação e na saúde. Porém, a meta de reduzir à metade o número de pessoas sem acesso a saneamento não deve ser cumprida. Devido à maior urbanização, a parcela da população sem tratamento sanitário adequado subiu de 35% para 50% entre 1990 e 2004.

A ONU fez uma dura crítica aos países ricos, que aumentaram em apenas 2% sua ajuda à África em 2006, apesar do compromisso firmado pelo G-8 na Cúpula de Gleneagles (Escócia), em 2005, de dobrar os recursos enviados ao continente até 2010. Incluindo o dinheiro para outras regiões, a ajuda ao desenvolvimento caiu 5,1% em 2006.