Título: Bush cancela prisão de Libby
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Fonte: O Globo, 03/07/2007, O Mundo, p. 30

Presidente dos EUA comuta pena de chefe de Gabinete de Cheney, condenado por perjúrio.

WASHINGTON

Numa das mais polêmicas ações políticas de seu governo, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, comutou ontem a pena imposta a Lewis ¿Scooter¿ Libby, o mais alto funcionário do governo americano a ser condenado a prisão desde o caso Irã-Contras. Invocando seu direito constitucional de conceder clemência, Bush cancelou a pena de prisão por 30 meses de Libby, mantendo, porém, as penas de multa e de um período de dois anos em regime de liberdade vigiada.

Libby foi considerado culpado por obstrução da Justiça, falso testemunho e por dois casos de perjúrio em março num desdobramento do caso da agente da CIA Valerie Plame, que teve a identidade revelada para jornalistas por integrantes do governo. As penas foram decididas por um tribunal em 5 de junho. Ele era o chefe de Gabinete e braço direito do vice-presidente Dick Cheney, considerado o mais influente vice na história política recente do país. Alguns chamam de Libby de ¿Cheney do Dick Cheney¿.

¿Eu respeito o veredicto do júri. Mas concluí que a sentença de prisão dada a Libby foi excessiva¿, declarou Bush, através de um comunicado divulgado ontem no fim da tarde. ¿Desta forma, eu comuto a parte da sentença de Libby que requeria que ele ficasse 30 meses na prisão.¿

A decisão de Bush foi tomada apenas horas depois de uma corte de apelações ter negado o pedido de Libby de permanecer em liberdade até que todas as suas apelações fossem julgadas. O tribunal rejeitou o pleito e ordenou que ele fosse encarcerado num período entre 45 e 60 dias depois que o departamento correcional indicasse em qual prisão ele deveria cumprir a pena.

De acordo com Bush, a decisão ¿mantém uma punição dura para Libby¿. ¿A reputação que ele conquistou em seus anos no serviço público e seu trabalho profissional na comunidade legal está manchada para sempre¿, escreveu ele.

A condenação de Libby ocorreu em meio à investigação sobre os responsáveis pelo vazamento da identidade de Plame como agente da CIA. Seu nome foi exposto num artigo do articulista conservador Robert Novak. A revelação da identidade de agentes secretos é crime nos EUA.

A Justiça reconheceu que a vazamento aconteceu como uma represália ao fato de Joseph Wilson, um ex-embaixador, ter revelado que a afirmação do governo de que o presidente iraquiano Saddam Hussein tentara comprar urânio no Níger para fabricar armas nucleares era mentirosa. A suposta operação chegou a ser mencionada no discurso anual sobre o Estado da União de Bush. Plame é mulher do embaixador Wilson.

Conservadores estavam pressionando Bush para perdoar Libby, um artifício legal que eliminaria não apenas todas as penas, mas apagaria até mesmo os registros do caso. A direita argumentava que Libby não fora condenado pelo vazamento da identidade de Plame, mas apenas por ter mentido para investigadores. Os tribunais americanos, realmente, não condenaram qualquer pessoa pelo vazamento. Mas jornalistas chegaram a ficar presos durante as investigações por se recusarem a revelar suas fontes.

A pressão conservadora cresceu com a proximidade da campanha eleitoral do ano que vem, uma vez que a prisão de Libby se tornaria, necessariamente, um tema da campanha para o candidato republicano.

Líder democrata diz que História julgará decisão

Bush, porém, não perdoou Libby, apenas atenuou a sentença, cancelando a pena de prisão, mantendo o registro policial, a multa de US$250 mil (R$480 mil) e um período de liberdade vigiada de dois anos.

Analistas políticos afirmam que a decisão deve revoltar eleitores democratas e independentes, e mesmo alguns republicanos ¿ até os pré-candidatos à Presidência do Partido Republicano discordam entre si sobre o tema. Um presidente com menos de 30% de popularidade cancelar uma determinação da Justiça pode piorar ainda mais os níveis de aprovação do seu governo.

O Partido Democrata repudiou a decisão do presidente. O líder democrata no Senado, Harry Reid, a considerou ¿uma desgraça¿.

¿ A condenação de Libby era o único débil sinal de prestação de contas nos esforços da Casa Branca de manipular informações de inteligência e silenciar os críticos da guerra no Iraque ¿ disse Reid. ¿ O presidente pode ter o direito de comutar a pena, mas a História irá julgá-lo duramente por usar esse poder para beneficiar o chefe de Gabinete de seu próprio vice-presidente, condenado por violações da lei tão sérias.

Desde que o tenente-coronel Oliver North, membro do Conselho de Segurança Nacional, foi condenado à prisão em 1989 devido à sua participação no escândalo Irã-Contras, nenhum funcionário tão graduado da Casa Branca fora condenado à prisão. North teve a condenação anulada por problemas de procedimento legal durante o julgamento, não por seu mérito.