Título: Freada na curva
Autor: Crivinel, Tereza
Fonte: O Globo, 04/07/2007, O Globo, p. 2

Para o bem do Senado, a Mesa Diretora não cometeu o desatino de tentar arquivar o processo contra o senador Renan Calheiros. Sanou os vícios burocráticos apontados pelo Conselho de Ética e mandou-o seguir com o baile. O que houve de positivo ontem foi a sessão-catarse, puxada pelo PSDB, em que Renan foi bombardeado com apelos para que se afaste da presidência.

O constrangimento foi grande e os apelos, infrutíferos. Renan avisou que "não arredará pé". Mas foi boa a sessão por outras razões. Primeiro, porque a alta hierarquia do Senado levou o assunto ao plenário e o encarou com franqueza e solenidade. Depois, porque o exame dos erros cometidos até aqui, por tantos, abre uma chance para o acerto.

O discurso inicial, do líder tucano Arthur Virgílio, reinseriu o silêncio e a solenidade num plenário dominado pelos ruídos nas últimas semanas. Pelos ruídos e pela inconsciência da real situação que se instalou na instituição, quando vista da rua. Foi um discurso tenso e terminou tenso: nada de apartes, nada de aplausos ou de cumprimentos quando ele desceu da tribuna. Na oposição, ninguém mais que Arthur esforçou-se para garantir a Renan um julgamento decente, desejando que ele conseguisse refutar as acusações. Mas depois da última trapalhada vinda do Conselho de Ética, a devolução do processo à Mesa pelo presidente sem consulta aos pares, fez contrariado o que já haviam feito os líderes do DEM (José Agripino) e do PDT (Jefferson Peres). Pediu o afastamento de Renan, olhando-o de frente. Olhos nos olhos, como disse que faria, se chegasse a hora.

Depois, a tribuna foi de Tasso Jereissati, mas com a tensão já dissipada pela fala embargada de Arthur, o verbo se soltou, numa longa seqüência de apartes. Neles, muitos foram os pedidos para que Renan se afaste, destacando-se os de Tasso, Simon, Agripino, Sérgio Guerra e José Nery. Em muitos deles, fez-se o inventário dos erros que levaram o Senado a esta situação: ter que julgar um presidente, que, como disse Agripino, "já foi condenado nas ruas". E que, mesmo assim, insiste em ficar no cargo, dificultando até a ação dos que desejam ajudá-lo.

Os erros foram cometidos por um Conselho que não se mostrou à altura da tarefa. Por aliados de Renan que foram além da compostura, no afã de defendê-lo, irritando a opinião pública com aquelas exibições de desfaçatez. Pelo próprio Renan, permanecendo na presidência e instruindo seus arqueiros no Conselho. Pelos cardeais da Casa, que deixaram o processo correr num Conselho apequenado. Ontem houve uma chacoalhada, um chamado à consciência geral. Sérgio Guerra, que é dos mais cáusticos no Conselho, acha que agora há uma chance de as coisas entrarem numa boa trilha. Isso quer dizer, uma condução séria e responsável das investigações, a escolha de relatores à altura da tarefa, a volta da compostura ao Conselho. Só nesta trilha o Senado sai do beco e Renan tem uma chance de salvação.