Título: Mais névoa sobre a crise
Autor: Rodrigues, Lino e Mendes, Gio
Fonte: O Globo, 04/07/2007, Economia, p. 21

APAGÃO AÉREO

Atrasos chegam a 63% em Guarulhos e causam novo caos. Governo e companhias trocam acusações.

Duas semanas depois do afastamento de 14 controladores de tráfego aéreo que lideravam operações-padrão no Cindacta 1, em Brasília, e de sua substituição por profissionais que atuam no setor de defesa aérea, os aeroportos do país voltaram a viver ontem mais um dia de anarquia. Um forte nevoeiro paralisou o Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, durante toda a madrugada. No fim da manhã, segundo a Infraero, 63% dos pousos e decolagens programados para o aeroporto registravam atrasos superiores a uma hora. Diante do novo caos, governo e empresas trocaram acusações sobre quais seriam os reais motivos de uma crise que se arrasta há nove meses.

As operações em Guarulhos ficaram interrompidas de 22h22m de segunda-feira até a manhã de terça, provocando atrasos e cancelamentos ao longo de todo o dia, com reflexos em outros aeroportos do país. Segundo balanço da Infraero divulgado às 18h de ontem, dos 1.409 vôos programados no país, 282 saíram com atrasos de mais de uma hora (20,1%) e 156 foram cancelados (11,7%).

Em Guarulhos, somente às 5h44m as operações de decolagem foram retomadas. Às 6h44m, as aeronaves voltaram a pousar, com ajuda de instrumentos. Muitos vôos partiram com mais de 12 horas de atraso. Outros foram transferidos para aeroportos próximos. No início da noite, as salas de embarque e os balcões de check-in continuavam lotados. Os passageiros sofriam com a falta de informações das companhias. Muitos não conseguiam saber nem em que fila deveriam se dirigir para fazer o check-in.

Durante a madrugada, passageiros que viajariam para Fortaleza (CE) se recusaram a deixar um avião da TAM, permanecendo na aeronave por seis horas. Só foram retirados por agentes da Polícia Federal.

O governo federal considerou as empresas aéreas culpadas pela nova temporada de caos na aviação civil. Tanto a Infraero, abertamente, quanto a Aeronáutica, de forma reservada, avaliaram que os nevoeiros que atingiram os terminais da regiões Sudeste e Sul nos últimos dias não provocariam sozinhos os estragos medidos pelo elevado número de atrasos e cancelamentos de vôos. Para as autoridades, a culpa é, sobretudo, da interdependência excessiva das cidades que formam a malha aérea nacional, provocada pelo alto grau de utilização de cada aeronave, especialmente pelas líderes Gol e TAM.

Um problema localizado em um único aeroporto ou uma região acaba gerando reflexos em todo o país, pois o avião que fica preso deixa de fazer as inúmeras conexões previstas para o dia. Muitas vezes, a aeronave que decola de Manaus é a mesma que fará a ligação entre São Paulo e Porto Alegre, por exemplo. A falta de informação piora a situação, avalia o governo, que ontem voltou a fazer cobranças às companhias, em reunião no Rio. Mas não houve medidas efetivas.

- O setor da aviação sempre conviveu bem com problemas climáticos. O que o sistema não tolera são alguns fatores de ordem econômica - afirmou o brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero, numa crítica indireta ao órgão regulador, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Fontes da Aeronáutica denunciam ainda que as empresas estão inscrevendo a decolagem de um mesmo vôo em dois aeroportos (de Guarulhos e Congonhas, por exemplo). Na última hora, põem os passageiros num ônibus e decolam de onde não houver restrição.

- Isso é golpe das empresas. Sobrecarrega o sistema - disse um militar da FAB.

Outro costume das companhias, denuncia a fonte, é a chamada acomodação: para garantir maior ocupação dos aviões, elas cancelam vôos em horários próximos e acomodam os passageiros noutro avião.

O grau de utilização de aeronaves é alto, concordam especialistas. Estima-se que a TAM mantenha 13 horas por dia cada avião em operação e a Gol, 14 horas, já considerada a frota em manutenção.

- Não há folga, as empresas não têm aviões reservas, nem margem de manobra - afirma o especialista Paulo Sampaio, acrescentando um agravante: todos esses vôos usam os mesmos centros de distribuição de rotas.

Empresas recusam redução da malha

A diretoria da Anac se reuniu ontem, no Rio, com as companhias aéreas e, em nota, informou que ficou decidido que haverá "um esforço conjunto com objetivo de melhorar e aprimorar a atual situação. Foram levantados pontos positivos e os deficientes, sendo que a maior preocupação é o excesso de fluxo no Terminal São Paulo". Segundo uma fonte do setor, apesar de não ter sido apresentada proposta efetiva para redução da malha aérea das empresas, o diretor de uma delas afirmou que medidas desse tipo não serão aceitas. O mesmo diretor chegou a dizer, afirma a fonte, que as empresas trabalham "com eficiência e não com ineficiência", referindo-se aos problemas de infra-estrutura aérea.

Respício Espírito Santo, professor de Transporte Aéreo da UFRJ, não concorda com os argumentos de que a extensão da malha aérea causa problemas ao setor. Para ele, faltou planejamento em relação a equipamentos, estrutura dos aeroportos e ampliação da malha das companhias:

- Por que outros aeroportos operam em condições climáticas piores e com maior capacidade de tráfego aéreo e nós não conseguirmos? Há situações no mundo em que se voa a quase zero de visibilidade com a ajuda de equipamentos. O governo é o provedor da infra-estrutura, e não adianta as empresas terem os melhores aviões se não houver infra-estrutura.

(*) Do Diário de S.Paulo