Título: As armas de Chávez
Autor: Economia
Fonte: O Globo, 04/07/2007, Economia, p. 22

Hugo Chávez tem construído seu caminho ao autoritarismo com oportunismo, explorando a fadiga em relação à velha política. Tem usado armas como impunidade em casos de corrupção de grupos empresariais que o apóiam; escolha discriminatória de fornecedores e funcionários públicos, e uso político de programas sociais. O estudo do caso venezuelano mostra que ele é mais complexo do que parece.

Em 1989 e 1998, os eleitores venezuelanos votaram sistematicamente contra o aumento do poder presidencial. Após a vitória de Chávez, o país aceitou concentrar, cada vez mais, o poder do chefe do Executivo. Para explicar o que houve, dois cientistas políticos, Javier Corrales, do Amherst College, e Michael Penfold, do Instituto de Estudios Superiores de Administración de Caracas, escreveram um artigo exemplar: "Venezuela: crowding out de opposition", publicado no Journal of Democracy.

Hugo Chávez sempre proclama que sua democracia não é a liberal, mas, sim, a participativa. Seu atual vice-presidente, Jorge Rodríguez, define o governo como "uma ditadura da verdadeira democracia". Esse caminho estranho foi pavimentado a partir do sentimento de rejeição dos eleitores em relação à política tradicional lá. O pacto das elites políticas venezuelanas nos anos 50 permitiu décadas de razoável estabilidade, mas a corrupção e o distanciamento em relação aos eleitores desgastaram os partidos tradicionais. "Em 1990, a Venezuela tinha se tornado um caso de como partidos podem se fossilizar até que os eleitores, enojados, os rejeitem."

Chávez explorou este sentimento de rejeição aos políticos para enfraquecer o Poder Legislativo. Depois atacou outras instituições. Segundo os autores, o avanço seguiu um padrão; ele mirou uma instituição de cada vez para enfraquecê-la e, assim, controlar todas: o Legislativo, o Judiciário, a Procuradoria Geral, o Conselho Nacional Eleitoral, os militares.

O primeiro e decisivo passo foi dado na Constituinte. Chávez manipulou a fórmula eleitoral e, mesmo tendo 53% dos votos, ficou com 93% dos assentos e pôde, então, mudar a lei maior do país.

A Constituinte ampliou o mandato presidencial de cinco para seis anos, deu ao presidente poder total sobre promoção dos militares, o Senado foi eliminado, o presidente ganhou o poder de legislar e convocar referendos sem ouvir o Legislativo, e o financiamento público para os partidos políticos foi eliminado.

Em 2001, ele obteve o poder de legislar por decreto em áreas como direitos de propriedade e nos setores de petróleo e agricultura. Quando tentou o mesmo sobre a educação pública, o país reagiu em enormes manifestações. No meio delas, o empresário Pedro Carmona tenta tomar o poder. Em poucas horas, Carmona fez uma lambança: dissolveu a Assembléia Constituinte, depôs os governadores eleitos e iniciou uma política revanchista. Seu apoio entrou em colapso, e o movimento fracassou. "Apesar de muitos na oposição terem abandonado Carmona quase imediatamente, o episódio danificou a imagem do movimento anti-Chávez com a marca de golpista", dizem os autores.

A outra tentativa da oposição foi a greve geral de dois meses em 2003. Hugo Chávez a usou como pretexto para demitir 60% dos funcionários da PDVSA. A partir daí, a estatal de petróleo passou a ser a mais importante ferramenta do governo.

A outra tentativa da oposição foi o referendo quanto a sua permanência no cargo. Para responder à ameaça, Hugo Chávez, que havia reduzido o gasto social, usou recursos abundantes do petróleo nas "Missões para salvar o povo"; políticas clientelistas que consumiram 4% do PIB em 2004 e o levaram à vitória por 59%. Para suas políticas sociais, criou fundos sem transparência e sem supervisão do Congresso, que recebem recursos da estatal de petróleo e reservas cambiais do Banco Central. Um deles, o Fonden, já recebeu mais de US$15 bilhões. O critério da distribuição é menos a dimensão da pobreza em cada região, e mais o grau de lealdade ao governo central. Há pouca transparência sobre esses gastos. Apesar de as receitas com petróleo terem quintuplicado, o déficit público aumentou no ano passado.

Em 2005, a oposição cometeu outro erro. Diante da assimetria da disputa eleitoral, decidiu não participar. Hoje o Congresso não tem um único parlamentar da oposição. Em 2006, Chávez ganhou as eleições presidenciais usando todas essas armas, o uso explícito da máquina e mais o aumento da mídia estatal: equipou a TV do governo, comprou mais três emissoras, 145 estações de rádio e 75 jornais locais. Agora, tem também a freqüência que era da RCTV.

Para manter e ampliar seu poder, Hugo Chávez usa outras táticas poderosas, segundo os dois analistas: a impunidade em casos de corrupção para grupos empresariais cooptados pelo governo; a escolha enviesada de empresas vencedoras nas licitações públicas; a discriminação contra opositores nos empregos públicos. A lista dos nomes de quem assinou em favor do referendo em 2004 é usada como forma de definir quem pode ou não ter emprego público, contratos com o governo ou acesso a benefícios sociais. Este ano, o presidente ampliou seu poder de legislar por decreto. Os autores concluem que o caso de Chávez mostra que, quando as instituições são defeituosas, o aumento do gasto público pode aprofundar estes defeitos.