Título: Chávez dá prazo e ameaça sair do Mercosul
Autor: Martin, Isabela e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 04/07/2007, Economia, p. 23

Venezuelano diz que espera só até setembro pela aprovação do Brasil, mas não vem cumprindo cronograma.

FORTALEZA, BRASÍLIA e CARACAS. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou ontem que, se até setembro os Congressos brasileiro e paraguaio não aprovarem o processo de adesão de seu país ao Mercosul, ele vai se retirar do bloco. Fontes do governo brasileiro dizem que Chávez não vem cumprindo o cronograma de adesão ao Mercosul e está "jogando para a platéia". As declarações do presidente venezuelano foram prontamente criticadas pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e por parlamentares brasileiros.

Em entrevista a uma emissora de TV local, Chávez afirmou que a Venezuela quer outro sistema de integração na América do Sul, e voltou a responsabilizar o Congresso brasileiro pela demora na ratificação de seu ingresso no Mercosul:

- Vamos esperar até setembro. Não esperaremos mais porque os Congressos de Brasil e Paraguai não têm razão política ou moral para não aprovar nosso ingresso. Se não o fizerem, vamos nos retirar até que haja novas condições.

Para senador, Chávez não passa de factóide

Dilma afirmou que a relação entre Brasil e Venezuela é necessária porque os países são vizinhos e fazem parte de um mesmo continente. Mas ressaltou que o governo brasileiro não aceitará imposição de prazos:

- Ninguém estabelece prazo para nós, nem nós estabelecemos prazo para ninguém.

Ela enfatizou que o Brasil adota uma atitude responsável nas discussões, e, numa crítica velada a Chávez, disse que o Brasil tem sabido respeitar a soberania dos outros países.

- A palavra central para definir nossa ação no que se refere às relações com países da América Latina é responsabilidade. Essa responsabilidade significa o seguinte: temos todo o interesse econômico, geopolítico, social, cidadão e cultural na integração. E temos demonstrado isso em atitudes práticas - disse a ministra, que acompanhou o presidente Lula a Fortaleza para o anúncio da liberação de R$978,8 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em obras de saneamento e urbanização de favelas.

Fontes da diplomacia brasileira afirmaram que as últimas declarações de Chávez mostram que ele não tem mais interesse em continuar no Mercosul. Seus freqüentes ataques ao Congresso brasileiro e o risco de um novo adiamento na apresentação do cronograma de reduções das tarifas de importação venezuelanas, previsto para 2 de setembro - mês que coincide com o ultimato do venezuelano - deixam claro que Chávez vem "jogando para a platéia", para não ser responsabilizado pelo fracasso de seu projeto de ser sócio pleno do Mercosul, afirmou um graduado diplomata.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Heráclito Fortes, é mais crítico. Para ele, Chávez não passa de um "factóide", ou seja, procura ganhar espaço na mídia com fatos que podem ou não ser verdadeiros:

- O presidente Hugo Chávez acha que representa os três poderes na Venezuela. Aqui é diferente. Chávez não passa de um factóide, ao dar o ultimato, para desviar a atenção da crise interna.

Chávez disse que os entraves encontrados no Brasil se devem ao desejo dos empresários brasileiros de que a Venezuela acabe com as salvaguardas à indústria local. E garantiu que não deixará os empresários venezuelanos desamparados "frente ao Brasil, aos Estados Unidos, à Europa ou ao Irã".

Em Brasília, é praticamente consenso que Chávez, pressionado pelos empresários venezuelanos, não tem como cumprir os compromissos firmados com os sócios do bloco. O forte da economia de seu país é o petróleo, e a indústria venezuelana não teria cacife para enfrentar a concorrência dos importados brasileiros e argentinos.

- Chávez não tem nada a oferecer. A única coisa que tem é o petróleo, além de uma indústria ineficiente - afirmou um diplomata.

Chávez ainda classificou de impertinentes as declarações do chanceler Celso Amorim, que, em entrevista ao GLOBO, sugeriu que a Venezuela se desculpasse por ter chamado o Congresso brasileiro de "papagaio dos Estados Unidos".

- A Venezuela não tem do se desculpar. O Congresso do Brasil é que deve se desculpar por imiscuir-se em assuntos internos da Venezuela - disse Chávez.

(*) Com agências internacionais