Título: Movimentos na política externa
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 05/07/2007, O Globo, p. 2

Nas relações externas também é assim: uns vão, outros vêm. O distanciamento crescente entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o governo do presidente Lula coincide com o salto nas relações do Brasil com a União Européia, representado pela inclusão do Brasil no restrito grupo de parceiros estratégicos da UE. Os outros são EUA, Índia, China, Rússia, Canadá e Japão. Por pinimba de Chávez, a Venezuela pode sair do Mercosul. Ruim para o Mercosul e para a integração, mas pior para a Venezuela.

Depois de mandar a ministra Dilma Rousseff responder à última grosseria de Chávez - a ameaça de sair do Mercosul se o Congresso brasileiro não ratificar o ingresso da Venezuela até setembro - o próprio Lula pegou pesado ontem, ao dizer: "Para entrar tem que ter regras, para sair não tem regras. Se não quiser ficar, não fica".

Na Câmara e no Senado brasileiros, prosseguiram ontem os protestos contra o ultimato e também os elogios à resposta dura de Dilma (a de Lula ainda não chegara lá). Coisa rara, a oposição elogiar atos do governo, mas aconteceu com a ajuda de Chávez. Ontem mesmo surgiram, entretanto, sinais de que Chávez vai piscar. Através do senador Sergio Zambiazi (PTB-RES), coordenador da bancada brasileira no Parlamento do Mercosul, o embaixador da Venezuela, Julio Garcia Montoya, pediu um encontro com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes. Foi marcado. Foi um gesto, embora dificilmente vá ser o pedido de desculpas que o chanceler Celso Amorim considera "desejável", para que o Congresso releve as críticas de Chávez, por ocasião da não-renovação da concessão da emissora RCTV.

Mas Chávez um dia passará. A Venezuela é vizinha para sempre. Por isso é de todo modo muito ruim que o país venha a desistir do ingresso no bloco. Goste-se ou não do Mercosul, ele é o propulsor da integração da América do Sul, que há de acontecer, goste-se ou não também, no interesse do futuro de seus povos.

E ela também pode vir a ganhar com o novo patamar das relações Brasil-Europa. Aqui, não faltará quem subestime o que houve ontem na Cimeira de Lisboa. O empenho de Portugal, que ora preside a UE, na pessoa de seu primeiro-ministro, José Sócrates, certamente pesou para a realização da cúpula e da concessão do novo status ao Brasil, mas não explica a iniciativa de Bruxelas, onde têm assento os 25 países membros. O interesse é político, econômico e comercial. No dizer do próprio José Sócrates, expressa a decisão da UE de incluir o grupo dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) na categoria de parceiros especiais. A Europa é também receptiva à idéia de um Brasil engajado na luta contra a pobreza e na defesa do meio ambiente. Portugal fez sua parte, e não só por afeto. Ontem, a Galp, uma gigante da área de energia, assinou contrato para produzir 600 mil toneladas de óleos vegetais no Brasil. Biocombustíveis é tema da pauta de Lula hoje em Bruxelas. Tudo isso acontece depois de mais um fracasso das negociações da OMC-Rodada de Doha. Para o Brasil, a amizade européia precisa significar um avanço em Doha. Foi isso que Lula cobrou, ontem mesmo. A Europa é aliada dos EUA na defesa dos subsídios agrícolas que os emergentes combatem, em defesa de seus produtores.

A distinção ao Brasil causou ciúmes, tanto ao México como aos vizinhos aqui da região. No âmbito do Mercosul, foi tanto que exigiu uma ida do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, a Montevidéu, para conter o mal-estar. Alegou ele justamente isso: o novo status do Brasil junto à UE será proveitoso para todos no continente. Inclusive para o avanço das negociações do acordo de livre comércio UE-Mercosul, paradas desde 2004.