Título: A fronteira necessária
Autor: Lorenzoni, Onyx
Fonte: O Globo, 05/07/2007, Opinião, p. 7

O doutor Ulysses Guimarães costumava dizer que o Congresso de hoje será muito melhor que o de amanhã. Este pensamento nunca esteve tão atual como agora, quando a Câmara rejeitou as mudanças estruturais contidas na proposta de reforma política. Desperdiçaram a oportunidade de dar o primeiro passo para o resgate da credibilidade de um poder que, embora tenha o papel e a missão de representar o povo, está cada vez mais distante e menos sintonizado com a sociedade.

Todos sabemos que o sistema eleitoral em vigor é ruim. A sociedade vota sem conhecer claramente as regras do jogo, e a forma como são eleitos deputados e vereadores não pode e não deve ser mantida. Nosso sistema de eleições proporcionais não favorece a formação de uma maioria sadia no Congresso Nacional e privilegia o personalismo, o caciquismo, a falta de compromisso e, acima de tudo, gera enorme distanciamento entre eleitor e eleito. Tudo isso acontece a partir do momento em que um deputado chega ao Congresso a bordo dos votos dados a outro, ainda que seu adversário de outra legenda tenha sido mais votado. A proposta do voto em lista seria o primeiro passo para mudanças ainda maiores no futuro, como a adoção do voto distrital. Ela foi derrotada, mas ainda serão votadas outras propostas que significam avanços importantes.

Três delas são fundamentais para a melhoria da qualidade do sistema eleitoral. A primeira é o financiamento público para eleições majoritárias: presidente da República, governador, prefeito e senador. Financiar essas campanhas com dinheiro público é demarcar a fronteira necessária entre o público e o privado, porque ocupantes de cargos no Poder Executivo não podem dever favores de natureza econômica a quem quer que seja. Do contrário, há o risco permanente de os interesses públicos se misturarem com os interesses privados.

O segundo ponto é a proibição das coligações nas eleições proporcionais. Hoje tudo é permitido e o eleitor vota num candidato do partido A e acaba ajudando a eleger outro do partido B. Partidos com propostas e ideologias diametralmente opostas acabam se juntando num oportunismo eleitoral capaz de gerar todo tipo de distorção. Com a proibição desse tipo de coligação, o eleitor saberá que votou na agremiação de sua preferência e que seu voto não irá ajudar a eleger candidato de outra legenda. Além disso, ajuda a fortalecer os partidos políticos.

O terceiro aspecto é o da fidelidade partidária. Ela deve ser implantada como fator de moralização, acabando de vez o troca-troca e o descaso pela escolha do eleitor. A infidelidade tem sido o cupim da dignidade do Parlamento, e isso fica claro quando constatamos que, entre 1999 e 2006, mais de 450 deputados trocaram de partido, alguns deles duas, três, quatro ou cinco vezes, perfazendo quase 700 mudanças de legenda em oito anos. Por isso, a instituição da fidelidade funcionará como um freio de arrumação, reforçando a interpretação do TSE de que o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar.

Aprovando estas medidas saneadoras a Câmara dará à sociedade um sinal de que não quer deixar tudo como está. O financiamento público para campanhas majoritárias proporcionará mais transparência ao pleito, separando o interesse público do privado. As últimas CPIs mostraram claramente que o apoiador de hoje cobra a fatura amanhã sob a forma de superfaturamento, desvio de verbas e outras formas de corrupção que causam um prejuízo anual de R$100 bilhões ao Brasil. Por isso é tão necessário construirmos essas fronteiras, delimitarmos os limites entre o público e o privado. Para muitos pode parecer um avanço pequeno, mas será o primeiro passo para quebrar a máxima do doutor Ulysses e acreditarmos que o Congresso de amanhã pode ser melhor que o de hoje.

ONYX LORENZONI é líder dos Democratas na Câmara dos Deputados.