Título: Os sete pecados do governo
Autor: Doca, Geralda e Bastista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 05/07/2007, Economia, p. 23

APAGÃO AÉREO

Principais promessas das autoridades para solucionar crise ainda não foram cumpridas.

As farpas do governo direcionadas às companhias aéreas, que estariam potencializando os efeitos de problemas climáticos no tráfego de aeronaves, acertam em cheio as próprias autoridades encarregadas de frear abusos e acabar com a crise, que entra em seu décimo mês sem dar tréguas. Um levantamento do GLOBO revela que pelo menos sete das principais promessas feitas desde dezembro por Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Infraero e Aeronáutica para corrigir distorções de mercado e providenciar back up para o sistema de controle - desde uma legislação para coibir overbooking até a reconfiguração dos centros de monitoramento do tráfego - ainda não foram cumpridas.

Sem falar na gratificação especial e no plano de carreira que a FAB prometeu entregar em um tempo breve para acalmar os ânimos dos controladores e até agora não avançou, o que caracteriza recuo do governo.

Em 4 de janeiro, a Anac prometia um plano de contingenciamento das empresas "para fechar a equação do setor aéreo" e evitar problemas, por exemplo, com a alta utilização das aeronaves. Chegou a ser anunciada a racionalização das malhas, para aliviar os horários de pico.

- Não teremos problemas agora nem nunca mais - disse Milton Zuanazzi, presidente da Anac, na época.

As medidas provocaram polêmica. Os diretores da agência foram questionados se o plano de contingência não implicaria elevação dos custos das empresas, uma vez que avião no solo também paga tarifa.

- Não necessariamente (o plano) vai elevar o preço das passagens. Na relação custo-benefício, o que é melhor para a empresa? Arcar com esse custo maior (aeronave em solo), enfrentar ações dos clientes, que têm valores altos, ou perder seus clientes? - ponderou Denise Abreu, diretora do órgão.

Seis meses depois, a Anac não tem mais convicção sobre a necessidade de reduzir a malha, sob a justificativa de que faltam estudos que comprovem a eficácia da diminuição de vôos. Nem a exigência de avião reserva em aeroportos estratégicos, o que não existe em lugar nenhum do mundo, revelou um fonte da agência. Esse tema é hoje a principal fonte de embate dentro do governo.

A Anac faz agora levantamento sobre a trajetória diária dos 265 aviões de transporte regular que voam 14 horas por dia.

- O objetivo é verificar se há folga para se fazer certas compensações caso ocorra problemas, com impacto financeiros para as companhias e usuários - disse a fonte.

Além de não terem saído do papel, segundo fontes do setor essas ações sequer foram encaminhadas:

- Posso garantir que nenhuma empresa aérea foi convocada pela Anac para discutir plano de contingência ou racionalização da malha neste ano - disse um diretor técnico de uma grande empresa do setor, que pediu para não ser identificado.

As empresas afirmam que nem os problemas meteorológicos foram discutidos como deveriam ser. Esse diretor lembra que Londres sofre muito mais com neblina que São Paulo, mas os aeroportos funcionam com o nível 3 do sistema de pousos e decolagens, que permite movimentações aéreas sem visibilidade:

- Isso não é discutido no Brasil. Talvez neste ano a situação seja pior, mas o fato é que alguns aeroportos, principalmente no Sul, sofrem com a meteorologia todo inverno.

Acusação de "overbooking"

Mesmo as medidas que começam a ser tomadas ainda estão em fase preliminar. Se em janeiro a Anac prometeu uma rápida resolução para os casos de overbooking, na prática isso não ocorreu. A agência só abriu a consulta pública sobre o tema em 23 de maio e prorrogou o prazo para recebimento de sugestões até o próximo domingo. Não há previsão para aplicar as novas regras, que prevêem, por exemplo, compensação em dinheiro entre R$300 e R$1.200, segundo a extensão do vôo.

Nem o episódio que gerou essa discussão - a crise aérea do Natal, creditada à paralisação de seis aviões para conserto e overbooking da TAM - teve o desfecho esperado pelos consumidores. A investigação só foi concluída em março, indicando casos de overbooking, mas não houve multas, responsabilização ou conversa com a companhia. Segundo a Anac, no Natal a empresa já havia sido multada pelo episódio.

Os órgãos de defesa do consumidor continuam reclamando de overbooking. Ontem mesmo, a Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor informou que vai denunciar a Gol ao Ministério Público de São Paulo, além de notificar a companhia por prática disfarçada de overbooking. Segundo a entidade, a Gol tem ligado para passageiros que já compraram seus bilhetes pela internet, informando a mudança para um outro vôo, da Varig.

O governo também prometeu uma nova legislação para a aviação em substituição ao Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) no primeiro semestre deste ano. Mas até agora não há previsão de quando o projeto ficará pronto. E, em dezembro, a Aeronáutica havia prometido redistribuir parte do espaço aéreo controlado na capital para Recife e Curitiba. Mas a idéia foi abortada, sem explicações. Só nove meses depois e em plena crise, a Força decidiu criar corredores especiais para tentar desafogar o tráfego aéreo.

COLABOROU Ronaldo D"Ercole