Título: Novo senador, velhos problemas
Autor: Carvalho, Jailton de e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 06/07/2007, O País, p. 3

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS

Gim, suplente de Roriz, é investigado no mesmo escândalo e responde a seis inquéritos.

Oex-deputado Gim Argello (PTB-DF), suplente que assumirá a vaga deixada pela renúncia de Joaquim Roriz (PMDB-DF), chega ao Senado acusado de envolvimento no mesmo negócio que levou o titular a abrir mão do mandato para fugir da cassação. O Ministério Público e a Polícia Civil do Distrito Federal investigam a suposta participação de Gim na partilha do cheque de R$2,2 milhões do empresário Nenê Constantino, dono de empresas de ônibus e da Gol Linhas Aéreas. Os investigadores suspeitam que Gim tenha ficado com pelo menos R$500 mil do dinheiro. Além disso, Gim responde a outros seis inquéritos e processos.

As informações foram obtidas ao longo da Operação Aquarela, que resultou na prisão do ex-presidente do Banco Regional de Brasília (BRB) Tarcísio Franklin. Pelos dados preliminares em poder da polícia e do Ministério Público, coube a Gim entregar parte dos R$2,2 milhões sacados no BRB a Franklin. Para concluir a missão, o ex-deputado teria contado com a ajuda de um advogado, que teria sido inclusive fotografado num jantar com Franklin no dia do saque e da partilha.

O Ministério Público e a polícia trabalham com a hipótese de que os R$2,2 milhões façam parte de um acerto de contas relacionado à venda de um terreno de 80 mil metros quadrados em Brasília. O terreno, que pertencia ao BRB, foi vendido a uma empresa que tem Nenê Constantino entre seus acionistas, depois de passar pelas mãos de um laranja e do ex-deputado Wigberto Tartuce. O terreno teve valorização de mais de R$100 milhões depois que a Câmara Legislativa aprovou projeto alterando o gabarito da área.

Até o ano passado, Gim era um dos deputados distritais mais influentes. Quando chegar ao Senado, terá ainda que se explicar sobre acusações de fraudes. Ele responde a uma ação civil pública por suspeitas de irregularidades na aprovação de leis na Câmara Distrital. Gim é acusado de incluir, em textos já aprovados que tratavam da regularização de condomínios, outras áreas não discutidas pelos deputados.

Gim também é acusado de provocar um prejuízo de R$1,7 milhão aos cofres públicos a partir de um contrato de aluguel de computadores que fez quando presidia a Câmara Legislativa.

O advogado de Gim, Paulo Goyaz, disse ontem que não há impedimento jurídico para que ele assuma o cargo.

- Gim não fez nenhum ato como senador. É comum ações na Justiça contra ocupantes de cargos públicos. Se fosse assim, quase ninguém poderia assumir um mandato. Afinal, qual é o político que não tem processo? - argumentou Goyaz.

O senador José Nery (PSOL-PA) anunciou ontem que seu partido já prepara uma representação por quebra de decoro parlamentar contra Gim no Conselho de Ética. O corregedor do Senado, Romeu Tuma (DEM-SP), também defendeu uma investigação sobre o novo senador.

- Se tiver algo, vamos investigar. Faremos isso, mesmo em relação a atos que foram praticados antes do exercício do mandato. Não dá para inocentá-lo antecipadamente - disse Tuma, citando o exemplo do traficante Fernandinho Beira-Mar: - Fernandinho Beira-Mar tem um passado de mortes, de tráfico. Se ele assume um mandato parlamentar, isso é tudo anterior, e aí vai ficar por isso mesmo, isento?

- Vamos esperar que ele assuma. Estamos analisando os fatos e os documentos com denúncias contra ele para fazer a representação - disse José Nery.

Tuma disse que está analisando a documentação que recebeu da Operação Aquarela para verificar suposto envolvimento de Gim na operação de desconto do cheque de R$2,2 milhões de Nenê Constantino.

De manhã, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) declarou que Gim não poderia ser processado no Conselho por atos anteriores à posse como senador.

- O Supremo Tribunal Federal já decidiu que só podemos punir os senadores por atos cometidos no exercício do mandato - disse Demóstenes, acrescentando, quando perguntado, se isso não seria ruim para a imagem do Senado: - Temos muitos aqui nesta Casa na mesma situação.

Mas, contra essa tese, há uma outra: o ex-senador Luiz Estevão, também do PMDB do Distrito Federal, foi cassado por atos cometidos antes do exercício do mandato, na construção da sede do TRT de São Paulo.

Gim também poderá perder o mandato em outra situação: caso o TSE acolha representação do PCdoB, que pede a cassação de toda a chapa de Roriz sob a acusação de ter usado a máquina administrativa para favorecer o ex-governador em sua campanha ao Senado. A Caesb, companhia de água e esgoto de Brasília, mudou no ano eleitoral o número de telefone usado para o atendimento ao público de 115 para 151, o número do candidato Roriz nas eleições. Roriz foi eleito com 52% dos votos e seu adversário, o ex-ministro do Esporte Agnelo Queiroz (PCdoB), obteve 41% dos votos.

Gim, que ontem convocou e cancelou uma entrevista coletiva, deve tomar posse na próxima semana. O regimento do Senado dá prazo de 30 dias para a posse de suplentes.

O cancelamento da entrevista, segundo justificativa dada em nota, foi "devido a um quadro do estresse que poderia prejudicar a saúde de Argello". Sem informar a data em que ele assumirá , a nota diz ele lamenta "o fato de assumir ao mandato de Senador da República para substituir, de forma intempestiva, o senador Joaquim Roriz". E conclui: "apesar das circunstâncias, não irá abdicar das elevadas obrigações que lhe aguardam".

Argello, que foi presidente da Câmara Distrital de Brasília na gestão 2001/2002, é presidente regional do PTB e ficou ao lado do presidente da legenda, o deputado cassado Roberto Jefferson, na oposição ao governo Lula, contra a posição das bancadas no Congresso.

COLABOROU Adriana Vasconcelos