Título: Atuação do BC atrai capital de curto prazo
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 06/07/2007, Economia, p. 24

Compra de dólares eleva reservas, mas cria distorções no mercado, aumentando ganho de investidor especulativo.

RIO e BRASÍLIA. Os sucessivos recordes na balança comercial brasileira e o forte ingresso de investimentos produtivos no país multiplicaram as reservas cambias do Brasil - em 12 meses, a expansão foi de 135%, o maior salto entre mais de cem economias acompanhadas pela agência Bloomberg. Já são US$147,565 bilhões em reservas. Mas, recentemente, elas têm sido turbinadas por outro tipo de fluxo de dólares: capitais de curto prazo, que vêm ganhar com o diferencial de juros no Brasil. O pior é que este movimento está sendo, indiretamente, estimulado pelas atuações do Banco Central (BC) no mercado cambial.

Os analistas explicam que, ao tentar segurar as cotações do dólar, o BC acaba criando uma "armadilha financeira". A taxa à vista do dólar fica artificialmente alta frente à cotação da moeda projetada no mercado futuro. Essa distorção eleva a remuneração de aplicadores de curto prazo, o que, no jargão financeiro, é conhecido como cupom cambial. Até o fim do ano passado, o cupom cambial oscilava entre 5,5% e 6,5% ao ano. Mas vem subindo e hoje já está acima de 7%. Em maio e junho, o cupom chegou a superar 8%.

- É um paradoxo. Quando o BC acelera a compra de dólares, acaba incentivando um fluxo maior de capitais, o que derruba as cotações - explica Darwin Dib, economista sênior do Unibanco. - As atuações do BC viraram um aspirador de dólares do resto do mundo para cá. Nos últimos quatro a cinco meses, parte importante das compras de dólares feitas pelo BC foi de recursos de curto prazo. É um risco para a qualidade das reservas cambiais - completa.

Atuação do Banco Central é "tiro no pé", diz economista

O economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, acrescenta que o quadro é agravado pela expectativa de que os juros básicos da economia brasileira vão cair lentamente. Ou seja, por um lado, o BC adota uma política monetária que proporciona ganhos altos a quem aplica no país. Na outra ponta, faz intervenções no mercado de câmbio que elevam ainda mais esses ganhos.

- As atuações no câmbio já não funcionam há algum tempo. O BC está dando tiro no pé. Para sair dessa armadilha, só cortando os juros mais rapidamente. Como há poucas chances de isso acontecer, a alternativa é deixar o dólar à vista cair, para diminuir o cupom cambial. Depois, as cotações subirão aos poucos - diz Freitas.

Nos cinco primeiros meses de 2007, o BC comprou US$47,542 bilhões do mercado, quantia que supera os US$34,336 bilhões adquiridos ao longo de todo o ano passado. Só em maio, foram US$14,225 bilhões, o segundo recorde mensal seguido, já que em abril o montante alcançara US$11,004 bilhões.

Em junho, porém, o BC reduziu o ritmo de compra de dólares. Até o dia 22, foram cerca de US$6,5 bilhões, com os bancos absorvendo parte das entradas de recursos. Com isso, a posição vendida das instituições financeiras - quando apostam na queda do dólar - estava em US$10,119 bilhões naquele dia.

De qualquer maneira, o dólar continua em queda porque a entrada de recursos no país se mantém forte. Só entre os dias 1ºe 22 de junho, segundo o BC, o fluxo cambial estava positivo em US$12,051 bilhões, valor mensal também recorde. No comércio, o superávit era de US$7,608 bilhões e, na conta financeira, de US$4,443 bilhões.

São esses volumes recordes de recursos que engordam as reservas cambiais do Brasil. Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que as reservas são uma importante proteção em caso de piora no cenário internacional.

- Hoje, os tempos são de tranqüilidade. Mas a importância das reservas aparece quando se enfrenta uma turbulência na economia internacional.

Langoni explica que as reservas brasileiras cresceram a um ritmo mais intenso do que as do resto do mundo porque, antes, estavam num patamar muito baixo. Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, acrescenta que o acúmulo de reservas não foi privilégio do Brasil: quase todos os países do mundo aumentaram sua blindagem anti-crise nos últimos anos.

- A diferença é que, no Brasil, isso é feito de forma reativa. O Banco Central compra dólares porque é pressionado para não deixar as cotações caírem. Não há uma visão estratégica - diz Gonçalves.

O economista da UFRJ critica ainda o alto custo fiscal para manutenção das reservas. Os recursos são aplicados em títulos do tesouro americano, que rendem em média 3% ao ano, em termos reais. Mas, ao comprar dólares do mercado, o BC tem que vender títulos em reais e paga por isso 10% ao ano.

- É uma diferença de 7% ao ano que, sobre reservas de US$147 bilhões, gera um custo de US$10 bilhões, ou quase 1% do PIB brasileiro. O Brasil foi o país que mais acumulou reservas recentemente mas, também, é o que paga mais caro por isso, porque tem os juros mais altos do mundo - afirma Gonçalves.

Langoni, da FGV, acredita que não se deve levar em conta o custo fiscal, porque as reservas trazem segurança.

Dólar fecha em leve alta, cotado a R$1,915

Ontem, o BC fez nova compra de dólares no mercado, num total de US$300 milhões, segundo estimativas de analistas. O dólar subiu 0,2% e fechou a R$1,915. Com a indefinição nos pregões americanos, que reabriram depois do feriado do Dia da Independência com uma tendência mais cautelosa, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) bateu seu 27º recorde este ano, fechando em alta de 0,42%, aos 55.932 pontos. O risco-Brasil caiu 5,7%, para 148 pontos centesimais.

COLABORARAM Patricia Duarte e Bruno Rosa