Título: Plebiscito, uma chance
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 08/07/2007, O Globo, p. 2

Por mais uma dessas idiossincrasias brasileiras, gostamos mesmo é de transformar os problemas em depressão, não em solução. Tudo o que nos tem deprimido, como a corrupção, a impunidade e a letargia das instituições, tem a ver também com o sistema político-eleitoral, com as regras básicas da democracia adolescente pedindo mudanças. A cretinice individual floresce porque encontra guarida no sistema. Agora se perdeu a oportunidade da reforma política, embora seja tão clara a decrepitude do modelo em vigor.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, acreditou na retórica de seus pares quando fez dela uma prioridade deste semestre. Gastou boa parte dele com mais essa agenda perdida. Na hora H, por cálculo eleitoral, um partido como o PSDB mudou bruscamente de posição. Em vez de debate, tivemos reducionismos e desaforos. E viva o niilismo, a convicção de que, conosco, se algo mudar, será para pior. É chique, está na moda proclamar nossa falta de virtudes.

O que resta da proposta para votar, depois de descartados o voto em lista e o financiamento público de campanhas, não tem importância. Mas Chinaglia vai exigir que os deputados enterrem a reforma com solenidade, rejeitando os pontos que faltam (fidelidade partidária e fim das coligações proporcionais) ou aprovando a retirada de pauta. É pedagógico.

Mas também é nosso o jeitinho, que sempre arruma a última chance. Quando o Legislativo não é capaz de decidir sobre mudanças necessárias, deve-se chamar o povo. No parlamentarismo, pela realização de nova eleição. Em nosso sistema híbrido, pelo plebiscito. É para legitimar decisões sobre as quais falta consenso que as democracias contemporâneas têm recorrido mais e mais às consultar populares. Ao referendo, ao plebiscito e, em alguns lugares, ao plebiscito revogatório de mandatos, o melhor corretivo para políticos que desonram o voto recebido. Essa é a chance que resta à reforma política. O deputado Miro Teixeira (PDT) apresentou uma proposta, e o deputado Paulo Renato (PSDB) outra, com pequenas variações. Ambas sugerem consultas sobre o financiamento de campanhas (público, privado ou misto) e sobre a forma de escolha dos deputados e vereadores: por voto proporcional-nominal, como é hoje, por voto no distrito ou na lista partidária. Na quinta-feira, os líderes da coalizão governista decretaram a morte da reforma, ao adiar as votações que faltam para o segundo semestre. O líder petista Luiz Sérgio foi franco: "A reforma foi para o beleléu". Mas ali mesmo tiveram início as primeiras articulações para o plebiscito.

Miro Teixeira, que estava presente, foi procurado por Michel Temer depois da reunião. O PMDB quis muito a reforma, mas topa agora o plebiscito. O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, não se comprometeu, mas vai examinar a proposta com seu partido.

- Eu fui contra o voto em lista, mas não desconheço a necessidade da reforma. Em 1997, propus a Constituinte restrita, para votar as reformas política e tributária mais a revisão do pacto federativo. Tornou-se uma daquelas moças bonitas que todos cortejam mas não pedem em casamento. Agora, proponho o plebiscito como oportunidade para um bom debate e para uma decisão de legitimidade indiscutível. A meu ver, só o poder originário pode alterar o sistema eleitoral - diz Miro.

Será importante a posição dos tucanos, que andam pregando o voto distrital depois que ajudaram a derrotar a lista, e do DEM, talvez o partido que mais se empenhou pela reforma. No PT, há quem demonstre simpatias pelo plebiscito, como o deputado Vacarezza, enquanto o líder Luiz Sergio inclina-se pela Constituinte exclusiva.

Havendo plebiscito, os partidos se organizariam em frentes para defender e debater os diferentes modelos. Aí, sim, poderia haver debate. O que houve nestes meses de tramitação foram diatribes contra o voto em lista e covardia de seus defensores.

O mais forte argumento dos defensores do voto nominal foi o de que o voto em lista tiraria do eleitor a liberdade de escolher seu candidato. Mas qual a escolha? Entre as centenas de candidatos numerados? Entre os que falam coisas sem nexo partidário no horário eleitoral? Entre os que aparecem mais bonitos nos santinhos? Entre o parente do patrão e o candidato do líder comunitário? Agora que a Inês é morta, convenhamos.

Ai de ti, Brasília

No final dos anos 70, os que combatiam a ditadura em Brasília somaram, à luta pela anistia e pela redemocratização, o movimento pela representação política dos eleitores da capital. Era justo, mas o não sabido é que os eleitores daqui viriam a ser tão lesados.

Em toda a história republicana, apenas cinco senadores perderam o mandato (ou a ele renunciaram) por questões de decoro. Destes cinco, três foram de Brasília, que só em 1990 elegeu seus primeiros senadores. Luiz Estevão foi cassado, Arruda renunciou no caso do painel eletrônico e agora Roriz, pelo já sabido. E seu suplente, Gim Argello, já tombará em chamas.

O argumento de que não pode responder por crimes anteriores à posse não vale. Primeiro, porque já era suplente. Segundo, porque o pressuposto da anterioridade caiu com Luiz Estevão. E, mesmo com Dirceu, que foi cassado sem ter exercido o mandato.