Título: Fiéis ignoram preceitos religiosos
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 08/07/2007, O País, p. 3

Católicos, evangélicos e seguidores de outras religiões não rezam pela cartilha de igrejas quando o assunto é o planejamento familiar. Apenas 10% dos entrevistados pelo Ibope dizem que seguiriam a norma da religião, caso ela proibisse o uso de métodos anticoncepcionais. Setenta e três por cento simplesmente ignorariam a orientação.

¿ Isso confirma que as pessoas têm parâmetros diferentes dos das igrejas em relação à reprodução. É preciso dizer à população: quando você concorda com a proibição da camisinha, colabora para a disseminação da Aids. A religião está se distanciando da realidade das pessoas ¿ sustenta a socióloga Dulce Xavier, ativista da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, com sede em São Paulo.

Os católicos ouvidos pelo instituto demonstram clara dissonância com os preceitos defendidos com ênfase pelo Papa Bento XVI. Para 49% dos entrevistados, a Igreja é a favor do planejamento familiar. Bento XVI, em seus discursos durante a passagem pelo Brasil, em maio, foi claro no discurso contra o sexo fora do casamento e contra o uso de métodos anticoncepcionais, inclusive a camisinha. O Ibope mostrou ainda que 64% dos evangélicos também identificam nos discursos dos pastores nos templos posturas favoráveis ao planejamento familiar.

¿ Em alguns países, principalmente naqueles onde a fecundidade é alta, a religião segura e molda o comportamento dos casais. Aqui o catolicismo é mais light ¿ afirma a demógrafa Suzana Cavenaghi.

¿ Na prática, os católicos estão fazendo ouvido de mercador ¿ concorda Ana Cristina Gonçalves, integrante do núcleo de Inovação e Conhecimento da agência de publicidade Nova S/B, especializada em comunicação de interesse público.

A pesquisa do Ibope mostrou ainda uma tendência à aceitação maior do aborto nos casos em que o feto corre risco de vida (para 69% a favor e 30% contra). Quando as mulheres enfrentam esse perigo, o percentual favorável é de 59% e contrário, de 34%. Quarenta e nove por cento aceitariam o aborto nos casos em que a gravidez é resultado de estupro, e 43% seriam contrários. Já quando é fruto de falha de anticoncepcionais ou de opção da mulher por falta de condições financeiras para criar o filho, a reprovação é majoritária: 86% no primeiro caso e 84% no segundo.

Para a pesquisadora Sônia Corrêa, os obstáculos para o uma política bem sucedida de planejamento familiar no Brasil não estão relacionados à fé:

¿ Os entraves não são religiosos. Eles estão nas lacunas das políticas públicas.

Em 2006, foram distribuídos 14,8 milhões de anticoncepcionais no país. O Ministério da Saúde anunciou, há um mês, que começaria ainda este ano a monitorar o fornecimento de medicamentos às prefeituras.