Título: Disputas e retaliações na PF
Autor: Rocha, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2009, Política, p. 6

Os delegados Andrea Tsuruta e Antônio de Pádua Vieira Cavalcanti, lotados na Divisão de Inteligência (DIP) da Polícia Federal, se transformaram em alvos de investigação interna. Motivo: os dois servidores levantaram a suspeita de que Zulmar Pimentel do Santos, ex-diretor-executivo e número 2 da gestão de Paulo Lacerda, teria vazado informações da Operação navalha, o que decretou o fim das pretensões do policial de substituir Lacerda no comando da corporação.

A pedido de Tsuruta e Pádua, a 14ª Vara da Justiça Federal concedeu liminar determinando à PF que paralise a apuração contra eles. Os dois delegados argumentaram que a investigação interna é uma retaliação. No mês passado, a procuradora da República Anna Carolina Resende Maia entrou no caso e abriu inquérito civil para apurar ¿possível desvio de finalidade por parte da Corregedoria-Geral da Polícia Federal¿.

O episódio é mais um capítulo da navalha, operação que rende desdobramentos até hoje ¿ o caso veio a público em maio de 2007. Parte dessa repercussão abalou seriamente a corporação. Acirrou as disputas entre Zulmar e o delegado Renato Porciúncula, então Diretor de Inteligência. Porciúncula era o superior hierárquico de Tsuruta e Pádua, que se encarregavam de monitorar as conversas telefônicas entre os investigados. Foi com base em um relatório de inteligência produzido pela dupla que a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o afastamento de Zulmar, recém-nomeado pelo ministro Tarso Genro para trabalhar no Departamento Penitenciário nacional.

Após o afastamento, a Corregedoria-Geral (Coger) da PF abriu processo disciplinar contra o então diretor-executivo. A apuração não só concluiu pela inocência dele como recomendou a ação contra os dois servidores da DIP por supostamente terem falseado a verdade ao levantar a suspeita de que Zulmar teria alertado o colega João Batista Paiva Santana, ex-superintendente da PF no Ceará, um dos alvos da navalha. na ocasião, a Coger era dirigida por Ivan Lobato, contemporâneo de Zulmar na polícia.

Êxito O Correio procurou o advogado José Ercídio Nunes, defensor de Tsuruta e Pádua no processo que tramita na 14ª Vara Federal. Ele explicou que recorreu três vezes à Justiça contra a Coger ¿ com êxito em todas elas, segundo ele ¿ porque houve tentativa de investigar seus clientes em dois processos, além de uma convocação dos dois para serem ouvidos como testemunhas num terceiro. ¿Fica evidente que essa ação (da Coger) tem caráter persecutório¿, afirmou o advogado.

A PF informou à reportagem que os processos disciplinares contra os dois delegados da DIP são situação rotineira e não frutos de perseguição, como alegaram os servidores. Confirmou que as ações disciplinares decorrem do processo contra Zulmar. Segundo a polícia, as liminares concedidas pela Justiça para trancar a investigação interna serão obedecidas, mas salientou que elas têm caráter provisório.

A navalha levou à cadeia Zuleido Soares Veras, dono da Construtora Gautama, funcionários da empresa e servidores públicos acusados de fraudar contratos milionários mantidos pelo governo Federal. Sessenta e uma pessoas respondem a ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quem vai ficar com ¿Clara¿?

A administradora Sílvia Regina Braga Ferreira, gerente comercial do estaleiro Bahia Marina, em Salvador, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para deixar de ser a fiel depositária da luxuosa lancha de Zuleido Veras. Apreendida durante a Operação navalha, a embarcação batizada como Clara e avaliada em US$ 1,5 milhão foi aquela usada pelo governador da Bahia, Jaques Wagner, para um passeio pela Baía de Todos-os-Santos em companhia da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Em maio de 2007, quando a PF deflagrou a navalha, a embarcação de 52 pés (15,25m) e equipada com três camarotes estava ancorada no Bahia Marina. Os policiais colheram a assinatura de Sílvia Regina num termo de responsabilidade. ¿A polícia me designou fiel depositária indevidamente. Não quero mais esse encargo¿, afirmou, por telefone, a gerente. O pedido de Sílvia Regina foi encaminhado pela ministra Eliana Calmon, relatora da ação penal do caso no STJ, para manifestação dos procuradores da República que denunciaram à Justiça o dono da Gautama e outras 60 pessoas.

Segundo a gerente do Bahia Marina, a lancha foi retirada da água no dia da operação e permanece, desde então, num estacionamento destinado a embarcações. Eliana Calmon autorizou a venda do bem, mas até agora nenhum negócio foi concretizado. Para manter um barco no estaleiro, é necessário adquirir uma cessão de uso de vaga, cobrada conforme o tamanho do barco. Estima-se que seja de, no mínimo, R$ 25 mil, mais taxa mensal de manutenção, que pode chegar a R$ 2,5 mil, R$ 3 mil. (MR)