Título: Burocracia
Autor: Morais, João Cezar
Fonte: O Globo, 09/07/2007, Opinião, p. 7

Em 1995, numa breve passagem pela Câmara dos Deputados, elaborei e apresentei o projeto de lei 4.921/95, criando o Número Único de Identidade.

Continuo consciente das dificuldades que a União enfrenta para ter um retrato fiel da população - suas características físicas, psicológicas e sociais - pela complexidade e pelo volume de papéis que o cidadão é obrigado a buscar e portar para ter reconhecidos seus direitos.

Apenas para ser identificado ele precisa apresentar mais de dez documentos. São números em excesso, sobrepondo dados e informações que mais dificultam do que facilitam a identificação.

Mais grave: é um sistema falho, falso e perigoso, pois não é capaz de dar respostas imediatas sobre dados e informações de que a administração central necessita para implementar políticas sociais - quantos somos, como nos dividimos em termos de sexo e idade, do que morremos, quantos são os nascimentos anuais, quantas são as crianças de 0 a 5 anos que precisam de vacinação, etc.

Continuamos a despender fábulas de dinheiro em censos demográficos que se perdem nos descaminhos do nosso extenso e complexo território. Mantemos um processo de consulta que se busca aperfeiçoar apenas pela via do avanço tecnológico, o que o torna cada vez mais oneroso (o atual está orçado em R$560 milhões), mas sem a mínima garantia de maior precisão e abrangência em seus resultados.

A perversidade do sistema de identificação do cidadão deixa marcas ainda mais danosas para a sociedade, como se pode ver pelos registros quase que diários da imprensa sobre fraudes gigantescas contra o erário e a própria economia popular. A edição de 9 de junho último do GLOBO, por exemplo, informa sobre a prisão de um golpista que agia em quatro estados e que, em dez anos, deu prejuízo de R$20 bilhões a empresários. Ele tinha registrados 12 CPFs e número idêntico de carteiras de identidade.

Com a implantação do sistema de número único de identidade, ninguém jamais conseguirá igual proeza. O controle do número tem como base a certidão de nascimento. Ou seja, este documento é a fonte geradora do número único de identidade. No caso dos recém-nascidos, buscar-se-ão os dados na Declaração de Nascidos Vivos (DNV). E os atuais detentores de múltiplos documentos de identificação serão recadastrados.

O histórico da minha iniciativa na Câmara tem nuances curiosas. Na mesma legislatura em que, por apenas 15 dias e na condição de suplente, exerci o mandato de deputado federal, projeto idêntico foi apresentado pelo senador Pedro Simon dois meses depois (março de 95). E a meu pedido, em maio de 95, meu ex-companheiro de bancada Sérgio Arouca (RJ) reapresentou em plenário o meu projeto, que não tivera andamento até então.

Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a matéria recebeu o voto favorável do relator, deputado Alexandre Cardoso (PSB/RJ), e entrou na fila de votação. Entretanto, tendo tramitado com mais agilidade no Senado e enviado à Câmara para ser votado em regime de urgência, o texto aprovado foi o do senador Simon, sem anexos e referências ao original.

Para entrar em vigor, a lei 9.454, de 07/04/97, só precisa de regulamentação pelo governo federal. E elementos para isso não faltam.

JOÃO CEZAR MORAIS é administrador.