Título: Risco dobrado de racionamento
Autor: Alvarez, Regina e Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 09/07/2007, Economia, p. 18

Em previsões até do PT, chance de faltar energia em 2011 chega a 30%, mais que em 2001.

Ocrescimento da economia, o aumento do consumo de energia no primeiro semestre e os entraves na área ambiental para os investimentos do setor reforçam a previsão dos analistas sobre o risco de um apagão em quatro anos. Só que, agora, as projeções são compartilhadas por um quadro importante do PT e do governo Lula: o senador Aloizio Mercadante (SP), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Os riscos estimados para um apagão de energia chegam a mais que o dobro dos 14% que eram projetados para 2001, ano em que o país acabou enfrentando um severo racionamento. As previsões dos especialistas e do senador apontam uma crise em 2011, quando começará um novo governo, com risco de racionamento que varia de 16,5% a 30%.

Mercadante acaba de fechar um diagnóstico sobre o setor elétrico, cujas conclusões vão na contramão do discurso do governo, que contesta as previsões de risco de um apagão. O presidente da Empresa Brasileira de Energia (EPE), Maurício Tolmasquim, afirma que as projeções já divulgadas sobre a oferta de energia nos próximos quatros anos contêm equívocos.

O estudo de Mercadante prevê dificuldades de suprimento das termelétricas a gás natural no período 2007-2009 e o esgotamento da "poupança hidrelétrica", "aumentando a partir daí o risco de desabastecimento, se medidas corretivas e preventivas não forem adotadas". O diagnóstico considera ainda os atrasos nas usinas com pendências ambientais e o aumento da demanda por energia, decorrente de um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5% ao ano. E destaca a incapacidade das estatais de executar integralmente os investimentos. Em 2004, os valores ficaram 35% abaixo do orçado; em 2005, 23%; e, em 2006, 42%. O estudo chegou à conclusão de que, entre 2009 e 2010, o risco de apagão já explode. Sobe dos 5% aceitáveis para 23,5%, quase dez pontos acima do risco observado na época do racionamento. Em 2011, a restrição seria ainda mais grave: 30%.

Especialista: será "apagão ou tarifão"

Na visão do senador, a insegurança quanto ao fornecimento de gás natural tem frustrado os leilões de energia nova (contratada agora para ser entregue no futuro, visando ao planejamento no longo prazo), já que a Petrobras está operando no limite e, provavelmente, não conseguirá cumprir os cronogramas de expansão para garantir um 2011 tranqüilo:

- As fontes alternativas não estão respondendo, e há uma sobrecarga de responsabilidade na Petrobras.

Para Mercadante, a alternativa nos próximos quatro anos é investir em fontes alternativas, como usinas que produzem eletricidade a partir do bagaço da cana, na carona da explosão do mercado do etanol.

O especialista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), também vê com preocupação os cenários para 2011, e acredita que, no curto prazo, a saída é elevar os preços da energia oferecida nos leilões, adequando-se ao mercado.

- O setor privado aposta que a energia vai faltar, vai subir e está aguardando - diz, referindo-se ao pouco interesse no último leilão.

As dificuldades do governo para construir hidrelétricas, sobretudo pelos entraves ambientais, e a insegurança em relação à oferta de gás vão se refletir nas tarifas, na visão de Pires.

- A partir de 2008, se não tiver apagão, vai ter tarifão - afirma.

Pires critica a falta de uma ação mais efetiva do presidente Lula para destravar a área ambiental e viabilizar os projetos, e sugere que o governo também volte a incentivar o uso racional de energia nos domicílios.

Números inéditos apurados pelo Instituto Acende Brasil (que reúne os 15 grupos privados maiores investidores em energia) revelam que o risco de o país sofrer um racionamento em 2010 é de 8,5%, subindo para 16,5% em 2011, contra a média de 5% com que o setor elétrico opera. Uma fonte técnica, que atuava no governo na época do racionamento, revelou que, no ano anterior (2000), o risco de déficit de energia era de 14%. Sem aumento da oferta, o sistema foi usando os reservatórios das hidrelétricas, que não se recuperaram devido a um período de seca.

O presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales, disse que esses níveis de déficit de energia levam em conta as diversas obras de hidrelétricas previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Governo conta com ações da Petrobras

Das 25 usinas no PAC, com um total de 4.293 megawatts (MW) de capacidade, nove estão com atrasos de um a 16 meses. Essas nove representam 1.131 MW. O mais preocupante é que o risco de racionamento considera o crescimento do PIB a 4% ao ano e o do consumo de energia em 4,8%. Se o país crescer mais, o risco será maior.

- É um sinal de alerta - diz Sales.

Esses dados fazem parte da primeira revisão do estudo Energia Transparente, que o Acende Brasil começou a elaborar em abril. Na ocasião, os riscos de racionamento eram menores: 8% em 2010 e 14% em 2011. O relatório admite que o percentual pode diminuir se, por exemplo, a Petrobras cumprir seu cronograma de mais oferta de gás natural até 2010. A estatal pretende aumentar a produção dos cerca de 50 milhões de metros cúbicos por dia para 70 milhões em 2010, além de, nesse ano, já estar com capacidade para importar até 20 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural liquefeito (GNL).

Sales afirma que, se o governo admitir que há problemas e se dispuser a superá-los, é possível mudar a situação. Segundo o executivo, a economia mundial vive um de seus melhores períodos, com capital abundante para investir, mas é preciso clareza no setor.

Para Tolmasquim, da EPE, as projeções já divulgadas sobre a oferta de energia nos próximos quatro anos não consideram dados importantes, como o termo de conduta assinado entre a Petrobras e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que garante o fornecimento de gás natural para as termelétricas. Ou a contratação do GNL pela Petrobras a partir de 2008:

- Não há hoje qualquer informação objetiva que indique risco de racionamento em 2010, e o balanço de 2011 ainda está sendo fechado - diz.

Ele garante que, até 2010, há fontes firmes de energia disponíveis, já contando com o aumento da demanda. Para esse período, a EPE trabalha com dois cenários de crescimento da economia (4% e 4,8% ao ano) e do mercado (4,9% e 5,5%). No primeiro cenário, o consumo chegaria a 58.339 MW médios em 2010, e, no segundo, a 59.689 MW. Tolmasquim diz que faltariam apenas 100 MW médios para atender à demanda, sem considerar o leilão de energia do próximo dia 26.