Título: Juros e câmbio
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 09/07/2007, Economia, p. 19

Política econômica é sempre um cobertor curto, mesmo em um período de bonança, como o atual, em que a safra agrícola é recorde, a produção industrial volta a crescer a um ritmo de mais de 4% ao ano, o déficit público está diminuindo. E sobram dólares, muitos dólares, por força do bom desempenho das exportações e, principalmente, pela entrada de recursos para fins especulativos.

A apreciação do real, ainda que não seja propósito da política econômica, serve como anteparo no mercado interno para qualquer tentativa de alta dos preços de produtos nacionais que possam ser substituídos por importações. E mesmo os serviços que não têm essa possibilidade de substituição esbarram em forte concorrência doméstica, e também porque passaram a ser favorecidos pela estabilização de custos decorrente da quebra do componente inercial da inflação (tarifas públicas e preços administrados têm sido reajustes com percentuais decrescentes e até abaixo da média).

Aumentos salariais estão sendo absorvidos por ganhos de produtividade no conjunto da economia. A redução na taxa de juros dos títulos do Tesouro faz com que as instituições financeiras se interessem mais para o crédito, sem risco de inadimplência porque a renda das famílias e o faturamento das empresas aumentaram, e assim os pagamentos em dia evitam que o endividamento vire uma bola de neve.

Vários indicadores mostram que os investimentos estão sendo retomados na indústria, na construção civil e até na infra-estrutura, com boas perspectivas de eliminação dos gargalos nos transportes, por exemplo (a energia é que permanece sendo uma incógnita). No plano institucional, há a promessa de reformas estruturais, como a tributária e a da previdência, ainda neste segundo semestre.

Então, nesse mar de almirante (não se pode mais falar em céu de brigadeiro enquanto continuar o tumulto na aviação comercial) da economia, o que seria motivo de preocupação? A verdade é que o Brasil poderia ter aproveitado a maré favorável para concluir seu ajuste. As taxas de juros foram reduzidas, mas não a ponto de se equipararem aos níveis que vigoram no resto do mundo. E essa discrepância tem atraído capital de curtíssimo prazo para o país. Os fundos que especulam com moedas fizeram uma farra com o real e certamente partirão daqui na primeira oportunidade.

O comércio exterior continuará garantindo uma sobra de dólares para a economia brasileira, mesmo com essa possível retirada dos hedge funds. Também se espera continuidade de investimentos diretos estrangeiros no setor produtivo.

Dessa forma, o desafio agora da política econômica seria ajustar o mais rapidamente possível as taxas de juros sem que isso se traduza em explosão na demanda por bens e serviços internamente, o que levaria a inflação a sair da toca. Esse corte nas taxas básicas de juros deveria ter ocorrido no ano passado, mas o calendário político atropelou o econômico. Para não ser acusado de populismo, o Banco Central puxou o freio de mão antes da hora.

Autoridades e empresas de planos de saúde vivem às turras porque as redes públicas querem ser ressarcidas quando atendem cidadãos com algum tipo de seguro na área médica. Por trás dessa disputa, estão a crônica falta de recursos no setor público e a demanda quase exponencial por serviços de saúde.

Na prática, essa cobrança seria inviável, pois a rede pública não tem organização suficiente para saber quem é segurado ou não, e nem mesmo consegue especificar gastos por cada paciente, para efeito de ressarcimento (na melhor das hipóteses, segue uma tabela padrão definida pelo Sistema Único de Saúde)..

Para contornar esse conflito, a Secretaria estadual de Saúde do Rio apresentará às empresas uma proposta de paz: elas se responsabilizariam pela manutenção de futuras Unidades de Pronto Atendimento (UPA). A gestão dos recursos ficaria a cargo das próprias seguradoras e administradores de planos de saúde, que poderiam até usar suas marcas nos UPA adotados.

O primeiro UPA 24 horas está funcionando desde o fim de maio no Complexo da Maré, com 500 atendimentos diários. Cerca de 78% dos casos são resolvidos e medicados na própria Unidade, que tem dez leitos para adultos e quatro para crianças. E 15% dos atendidos vêm de outras comunidades.

A idéia é que os UPA, que contarão também com o atendimento feito pelas ambulâncias do Corpo de Bombeiros, desafoguem a rede pública hospitalar, para que o sistema como um todo possa sair do quadro quase caótico.

A propósito, chega a ser chocante a enorme economia que o estado vai obter com a terceirização dos exames clínicos. Em vez de gastar R$130 milhões por ano, a Secretaria estadual de Saúde espera agora desembolsar, pasmem, menos que R$30 milhões (há até uma previsão otimista de que o desembolso possa cair para R$18 milhões!). As empresas contratadas não conseguiram aproveitar mais de 10% dos cooperativados que antes faziam esses exames. A maioria não se mostrou qualificada para a função. De R$18 milhões ou R$30 milhões para R$130 milhões a diferença é estúpida, o que reforça a tese de que o maior problema do sistema público de saúde são os métodos e processos de gestão.