Título: Escândalo abala Casa Rosada
Autor: Camarotti, Mariana
Fonte: O Globo, 09/07/2007, O Mundo, p. 21

Caso de dinheiro descoberto em gabinete de ministra abre crise no governo Kirchner a meses das eleições.

"Que Miceli fique ou vá embora trata-se de uma questão de conveniência", sustentou o jornal "Clarín", que tradicionalmente apóia o governo.

O escândalo veio à tona por meio de uma denúncia, no dia 24 de junho, feita pelo jornal "Perfil", que faz oposição ao governo. Na última sexta-feira a ministra saiu a público para tentar explicar a descoberta de US$31 mil e 100 mil pesos no armário do banheiro. O dinheiro foi encontrado durante inspeção de rotina da Brigada de Incêndio da Polícia Federal no dia 5 de junho, mas suas explicações parecem não ter convencido o presidente. A ministra afirmou que o dinheiro era para a compra de um imóvel, operação que não foi realizada. Ela diz que esqueceu o dinheiro no gabinete e que, por isso, a sacola foi encontrada pela polícia.

Justiça exigirá declarações do IR

A Justiça agora vai pedir ao Banco Central os extratos bancários de Miceli e do irmão, já que ela afirma que a maior parte foi emprestada por ele.

- Era dinheiro que eu tinha pedido ao meu irmão e um pouquinho meu - disse ela na sexta-feira, rompendo um silêncio que mantinha há 13 dias.

Se suas justificativas forem verdadeiras, um saque compatível à quantia deve constar no extrato do irmão, o empresário Horacio Miceli. Embora na Argentina seja comum guardar dinheiro em casa, convertido em dólares, a quantia é considerada alta e, da forma como estava guardada - no armário do banheiro e não no cofre do gabinete - deu margens a interpretações de que a intenção era esconder.

- Na minha casa, tenho (dinheiro) guardado no guarda-roupa também, fiz isso a vida inteira. Não sou uma pessoa que tenha cofre - disse Miceli.

Segundo ela, seu saldo na conta de poupança em 31 de dezembro de 2005 era de 76 mil pesos e, em 31 de dezembro de 2006, de 105 mil pesos, valores que teriam sido apresentados à Receita Federal. De acordo com o jornal "La Nación", o dinheiro encontrado pela polícia estava separado por elásticos e com etiquetas do Banco Central, instituição que Miceli presidia antes de substituir o ministro Roberto Lavagna na Economia.

Além das movimentações bancárias, serão analisadas suas declarações de Imposto de Renda dos dois últimos anos e fitas de vídeo da segurança de seu gabinete, para tentar identificar como o dinheiro chegou até lá. Serão interrogadas também as secretárias da ministra. Nos próximos dias, o promotor de Justiça responsável pelo caso, Guillermo Marijuan, e o promotor de Investigações Administrativas, Manuel Garrido, pedirão informações à Receita Federal sobre o patrimônio da ministra e seu marido.

A Justiça tentará descobrir ainda por que o boletim de ocorrência feito pela polícia ao encontrar o dinheiro desapareceu e só depois foi apresentado pelo próprio Ministério da Economia. Além de descobrir se foi a ministra ou outra pessoa que entrou no gabinete com o dinheiro, falta investigar o valor encontrado. De acordo com o "Perfil", eram US$240 mil.

Analistas afirmam que o escândalo foi "fabricado" para desviar atenção da crise energética vivida pela Argentina. A imagem do governo vem sendo atingida desde maio pela crise, que causa apagões nas indústrias e deixa trabalhadores em sistema de férias coletivas. Antes disso, a gestão Kirchner foi afetada pela denúncia de um caso de corrupção em obras públicas, pelos conflitos com movimentos sociais na província do presidente, Santa Cruz, e pelas derrotas em eleições locais cruciais no mês passado.