Título: Greves à beira do Pan
Autor: Alves, Maria Elisa e Mendes, Taís
Fonte: O Globo, 10/07/2007, Rio, p. 13

Categorias ameaçam parar durante os Jogos; policiais civis iniciaram movimento de 48 horas.

Às vésperas do Pan, o clima na cidade não é só de competição esportiva. Várias categorias profissionais começaram uma queda-de-braço com o governo e ameaçaram entrar em greve, justamente nos dias dos jogos, se não tiverem suas reivindicações salariais atendidas. Os primeiros a usarem a estratégia foram os policiais civis, que começaram ontem uma paralisação de 48 horas, e prometem fazer uma operação-padrão durante o evento. Servidores da Cedae entraram em estado de greve e prometiam parar justamente no sexta-feira, dia da abertura do Pan, se não tivessem seus pedidos atendidos. Em assembléia à noite, eles acabaram aceitando a proposta do estado. Os protestos não pararam por aí: policiais rodoviários federais vão usar nos próximos dias uma tarja preta no braço e policiais militares farão uma manifestação, no sábado, na Praia de Copacabana, bem diante do Relógio do Pan.

O primeiro sinal de que nem tudo, a poucos dias do Pan, poderia ser como o planejado surgiu ontem, quando cerca de 300 policiais, entre investigadores, peritos e papiloscopistas, decidiram começar a greve, em assembléia realizada em frente ao prédio da Chefia de Polícia Civil, no Centro. Os profissionais, que devem voltar ao trabalho amanhã, reivindicam o reescalonamento salarial dos policiais civis, que proporcionaria um reajuste médio entre 50% e 70%, de acordo com o cargo do policial. Ontem, várias delegacias ficaram com apenas 30% dos funcionários, que só atendiam flagrantes.

Segundo o presidente do Sindicato dos Policiais, comissário Fernando Bandeira, a paralisação pode voltar a acontecer durante o Pan:

- As investigações de crimes podem deixar de ser feitas durante os jogos, caso o governo estadual não faça uma proposta melhor do que foi apresentada, que foi a de reposição da inflação, em torno de 3,5%.

Grevistas ameaçam cumprir a lei

Os grevistas decidem amanhã os rumos do movimento e ameaçam deflagrar a Operação Código de Processo Penal durante o Pan. Ela consiste em seguir à risca o artigo 6 do código, que prevê que todo local de crime deve ter a presença de um delegado. Como isto, se a operação for feita, haverá filas em delegacias e mais problemas no atendimento:

- Vamos pôr a lei em prática, como deve ser. Para investigar um crime, são necessários um delegado, dois peritos e um investigador. O delegado nunca vai ao local do crime e o Instituto Carlos Éboli só tem um perito - diz o policial Francisco Chão.

Ontem, após a assembléia, os cerca de 300 policiais que participaram da reunião caminharam pelas avenidas Gomes Freire e Mem de Sá, até o Instituto Médico-Legal. Após tumulto, socos e empurrões, os policiais invadiram o instituto para denunciar a precariedade do lugar. A falta de condições começa logo na entrada: no corredor principal, uma maca de ferro expunha o corpo de um homem e de um bebê, que não eram parentes, mas foram acomodados no mesmo local, após a necropsia, por falta de espaço. O cenário de horror aumenta à medida em que se avança pelo instituto: cadáveres são expostos em condições insalubres e não há higiene.

- Os servidores não recebem equipamentos de proteção adequados e todos correm risco de doenças. Apenas um perito faz o exame, o que torna inválido do ponto de vista legal. A lei exige a presença de dois profissionais - disse um médico legista que pediu para não ser identificado.

O médico contou ainda que faltam materiais para o trabalho:

- Cadáveres são abertos com facas velhas de cozinha. Não há um aparelho de raios-X para a procura de projéteis de arma de fogo. As provas são literalmente enterradas.

Uma equipe da Divisão de Vigilância Sanitária do município fez uma vistoria no local e verificou que apenas metade das 27 câmeras frigoríficas está funcionando. Um relatório sobre a inspeção será entregue hoje à coordenação do órgão, que decidirá se o IML será interditado.

Os policiais militares também estão mostrando insatisfação com a política salarial do governo: nove coronéis assinaram uma carta pedindo, entre outras medidas, a equiparação salarial com a Polícia Civil. Outros oficiais fizeram o movimento "Os 40 da Evaristo" e elaboraram um documento com críticas ao governo e a reivindicação de equiparação salarial entre coronéis e delegados de 1ª classe, que ganham o dobro dos oficiais da PM.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também vai protestar durante os jogos. Os servidores que atuam no Pan deverão trabalhar com uma tarja preta no braço e serão realizadas operações-padrão nas rodovias federais de todo o país, inclusive no Rio, nos dias 18 de julho e 1º de agosto. Os policiais rodoviários federais querem, entre outras coisas, a elaboração da Lei Orgânica para a categoria, o aumento do efetivo da PRF e a exigência de nível superior para ingresso na carreira.

A saúde também demonstrou ontem que pode aproveitar a época dos jogos para fazer suas exigências. Cerca de cem servidores fizeram uma paralisação em frente ao Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, exigindo um plano de cargos e salários. Na sexta-feira, cerca de cinco mil servidores vão distribuir panfletos em três idiomas nas entradas do Maracanã, onde acontecerá a abertura do Pan.

O governo do estado demonstrou ontem estar disposto a ceder. Além de ter atendido a várias reivindicações da Cedae, que optou, então, por não fazer greve a partir do dia 13, divulgou nota dizendo que estava disposto a negociar uma reposição salarial para a polícia. A nota afirma que o governador Sérgio Cabral "renova a sua inteira confiança no espírito público de nossas polícias Civil e Militar para assegurar o êxito dos jogos Pan-Americanos. O governador reconhece todo o empenho das polícias no sentido de garantir a ordem pública e defender a população de nosso Estado. Por essa razão, reitera o apoio integral aos nossos policiais. Cabral reforça ainda que mantém a sua prioridade de conceder reposição salarial para as polícias Civil e Militar, para o magistério e para os profissionais de Saúde".