Título: Sem condições de presidir
Autor:
Fonte: O Globo, 12/07/2007, O País, p. 3

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS

Pressionado até por Lula, e temendo protestos, Renan deixa de comandar sessão do Congresso

Cristiane Jungblut e Luiza Damé

Pressionado pelo Planalto, pela oposição e por seu partido, o PMDB, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), teve de desistir de comandar ontem à noite a sessão do Congresso para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2008. O Planalto interveio diretamente para evitar o agravamento da crise que, há mais de 40 dias, enfraquece o presidente do Senado. O presidente Lula recebeu Renan no início da noite para uma conversa de 40 minutos. A ausência de Renan na sessão do Congresso foi o primeiro sinal concreto de que ele está perdendo as condições de continuar no cargo.

Depois de um encontro com o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, no Planalto, de manhã, coube ao presidente do PMDB, Michel Temer (SP), e ao líder do governo na Câmara, José Múcio (PTB-PE), a tarefa de procurar Renan e convencê-lo a desistir definitivamente de aparecer no plenário da Câmara, onde se realizaria à noite a sessão do Congresso. Renan concordou. Em contrapartida, a oposição aceitou não fazer qualquer protesto contra ele.

No início da tarde, depois que Renan comunicou a Temer e a Múcio sua decisão de não aparecer, os dois chamaram para uma reunião os oposicionistas Fernando Gabeira (PV-RJ) e o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ). Diante da ausência do senador, a oposição concordou em suspender os protestos e a não tripudiar da decisão.

- A ausência do senador Renan Calheiros é um desprestígio implícito, um sinal de fragilidade - disse o líder do DEM, José Agripino Maia (RN).

Senador diz a Lula que é inocente

Renan não gostou da informação de que o Planalto pedira a ele que não fosse à sessão. No fim do dia, depois da conversa de Lula com Temer, todos passaram a negar enfaticamente que o governo tenha interferido:

- A mim, o Planalto não pediu nada. A decisão foi dele, que pensou em duas coisas: nos interesses do país, que é ter uma LDO aprovada, e do Congresso. A decisão foi para facilitar a discussão da LDO, sem interferência do Planalto, pelo menos no tocante a mim. Não é uma questão de quem ganha e quem perde. Foi para evitar eventuais dissabores - disse Temer.

O líder José Múcio acrescentou:

- Ele viu que poderia comprometer a votação da LDO. Ele tem se conduzido com equilíbrio e teve a responsabilidade de não prejudicar o país. Não houve pedido especial (do Planalto), até porque seria um desrespeito a ele. Os gestos de solidariedade estariam todos indo por água abaixo se ocorresse isso.

Foi o próprio Renan que pediu o encontro com Lula, o que atrasou o embarque do presidente para Recife. Declarando-se inocente, Renan disse a Lula que é vítima de uma campanha política e que já entrou com pedido no Ministério Público Federal para ser investigado. Na conversa, de cerca de 40 minutos, o senador afirmou estar convencido de que, ao fim das apurações, nada se provará contra ele.

Mares Guia também participou do encontro. Renan pediu a audiência com Lula durante o almoço oferecido à governadora-geral do Canadá, Michaella Jean. O senador participou acompanhado da mulher, Verônica, e chegou ao Itamaraty com o presidente, a primeira-dama, Marisa Letícia, a governadora canadense e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

No encontro com Lula, segundo o Planalto, Renan avaliou a situação política e apresentou um balanço das votações do semestre e dos principais projetos aprovados na Casa.

Foi um dia de encontros para negociar um acordo que levasse a uma mudança no comportamento de Renan, que começou a terça-feira confrontando os colegas de Parlamento, desafiando-os a provar alguma irregularidade contra ele. Na mesma noite de terça-feira, ele começou a recuar, dando sinais de que não presidiria a sessão. Ontem, procurou vários senadores para conversar, inclusive a tucana Marisa Serrano (PSDB-MS), uma das relatoras do seu caso. Na véspera, ele havia dito em plenário que ela talvez não estivesse capacitada para a função.

- Vim pedir desculpas - disse Renan.

- Desculpa aceita - disse ela.

De manhã, Múcio e Temer estiveram com Mares Guia e com a líder do governo no Senado, Roseana Sarney (PMDB-MA). Por meio da assessoria, o ministro negou que tenha pedido para Renan não presidir a sessão, mas confirmou o temor do governo de que não houvesse quórum para votar a LDO.

- Renan tomou uma decisão pensando na imagem do Congresso e do país. Agora, vamos ter uma sessão apenas para votar a LDO. A decisão foi fruto de algumas ponderações, feitas pelo próprio Renan - disse Múcio.

Informada da decisão de Renan por meio de Michel Temer, a oposição prometeu que não iria mais fazer o protesto que havia programado para a sessão do Congresso. Temer e Múcio apresentaram o que chamaram de "solução construtiva".

- O Renan teve um momento de sensatez. Ele percebeu que no conjunto do Congresso não teria as mesmas facilidades que teve no Senado. Sem a presença dele, não temos por que protestar - disse Chico Alencar.

- Eles propuseram, e achamos razoável, que a gente não aproveitasse a ausência de Renan para tripudiar. Não vamos repudiar sua ausência. Essa posição dele foi um avanço na inteligência política - disse Gabeira.

À noite, prefeitos de Alagoas se reuniram num jantar de desagravo a Renan. O encontro, organizado pelo governador Teotonio Vilela Filho (PSDB), contou com a presença de 57 dos 102 prefeitos, que tinham reservas num restaurante de luxo à beira do Lago Paranoá. Renan chegou com a mulher, Verônica, e com Teotonio. Ele falou sobre o encontro com Lula:

- A conversa foi muito boa, o presidente estava muito bem-humorado. Fomos eu e o Sarney.

Os jornalistas quiseram saber se o presidente Lula lhe pedira para deixar a presidência do Senado:

- Isso não depende dele, não. Como ele vai estar preocupado com outro Poder? O Senado está funcionando e está tudo normal.

Teotonio negou que tivesse organizado o encontro, e reconheceu haver desconforto entre sua posição pessoal e a de seu partido, o PSDB:

- Fui convidado e vim de muito bom grado. Não é desagravo, é um encontro de amigos. É claro que eu me sinto desconfortável em relação à posição do meu partido. Mas Renan não somente me apoiou na eleição como é meu amigo há 30 anos. Não preciso administrar isso no partido.

O jantar foi fechado à imprensa. Segundo os prefeitos, cada um pagaria sua conta. A Associação dos Municípios de Alagoas arcou com transporte e hospedagem dos prefeitos, que estavam em Brasília desde anteontem.