Título: O Brasil que pode dar certo
Autor: Cavalcanti, Marcos
Fonte: O Globo, 12/07/2007, Opinião, p. 7

Se existe um relativo consenso, hoje em dia, sobre a importância das empresas brasileiras se tornarem inovadoras, há diversos mitos sobre as causas de nosso atraso nesta matéria e, ainda, poucas ações concretas.

Para falar dos mitos, vamos a alguns fatos. Em 1948, o pesquisador brasileiro Maurício Rocha e Silva isolou e identificou a bradicinina, uma substância encontrada nas plaquetas do sangue, de onde é liberada pela ação de certos venenos de serpentes, notadamente a jararaca. A bradicinina tem a propriedade de provocar vasodilatação, fazendo com que o fluxo sangüíneo aumente e a pressão arterial seja reduzida. Na década de 60, o princípio ativo que aumenta o potencial da bradicinina foi descoberto por um discípulo de Rocha e Silva, Sérgio H. Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Esse princípio veio a originar um conhecido anti-hipertensivo, cuja patente foi requerida por um laboratório americano, que fatura 5 bilhões de dólares por ano com o medicamento, cobrando royalties inclusive do Brasil. Já o professor, como pesquisador 1A do CNPq (nível máximo), ganha uma bolsa de 1.254 reais por mês...

Infelizmente, este não é um fato isolado. Existem centenas de casos semelhantes. O que todos eles têm em comum? A absoluta incapacidade de o sistema brasileiro de ciência e tecnologia transformar conhecimento em valor. A despeito do baixo investimento em ciência e tecnologia (1% do PIB no Brasil, contra 3% da Coréia, por exemplo), temos sido capazes de gerar conhecimento. Só que este conhecimento não se transforma em inovação, ou seja, em produtos e/ou serviços úteis à sociedade.

O que precisa ser feito? Em primeiro lugar, precisamos de uma política de ciência e tecnologia que valorize a inovação, não com palavras, mas com ações. Por que a publicação de um artigo em revista internacional vale mais do que o registro de uma patente? Temos bolsas para fixar doutores em universidades, mas não em empresas. Estamos formando 10 mil doutores por ano sem que as empresas nem as universidades sejam capazes de absorvê-los.

Não nos faltam idéias e criatividade, fatores críticos para o sucesso de um país na sociedade do conhecimento. Mas nos falta capacidade de inovar e de empreender. E nada disso se obtém por decreto nem por algum dom divino. Essas capacidades devem ser construídas por uma sociedade que perceba sua necessidade estratégica. A universidade não pode continuar de costas para a sociedade, pesquisando apenas o que interessa aos pesquisadores. Em 2003, como diretor de tecnologia da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro), fui surpreendido com a resposta de um pesquisador sobre as razões para a realização de sua pesquisa: faço esta pesquisa "porquê estou a fim". Em tempo, a pesquisa era sobre o "ronco do boi"...

É preciso inverter a lógica. Hoje, 95% dos recursos do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) vão para os pesquisadores pesquisarem o ronco do boi ou o que ELES julgam relevante. Deveríamos destinar não mais do que 20% a este fim. A maior parte dos recursos deveriam ir para pesquisas em áreas estratégicas para o desenvolvimento tecnológico do país, como biotecnologia e agronegócio, tecnologias de comunicação e informação, energia, aeroespacial e indústria do entretenimento. Alguns passos foram dados, é verdade, dentre eles a aprovação da Lei de Inovação, mas a notícia mais importante dos últimos anos foi o compromisso do BNDES com novas linhas de financiamento à inovação. Este fato, somado a uma nova postura do MCT, poderia criar um ambiente favorável à inovação. Afinal, não custa lembrar que o Brasil já foi a 8ª economia do mundo, mas hoje está na 14ª posição. Ou seja, estamos andando para trás. Os países que estão nos ultrapassando investem em educação, tecnologia e inovação. Se quisermos ter um papel importante na sociedade do conhecimento, precisamos acordar e colocar mãos e, sobretudo, cérebros à obra!

MARCOS CAVALCANTI é professor da Coppe/UFRJ. E-mail: marcos@crie.ufrj.br.