Título: Maracanã não perdoa e vaia Lula
Autor: Marqueiro, Paulo
Fonte: O Globo, 14/07/2007, Rio 2007, p. 10

CONSTRANGIMENTO: Cerimonial muda a abertura do Pan para poupar o presidente.

Frasista inspirado, Nelson Rodrigues costumava dizer que o Maracanã vaia até minuto de silêncio. Numa confirmação de que o escritor sabia o que falava, o público presente ontem ao estádio para a cerimônia de abertura do Pan recebeu com vaias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi vaiado quatro vezes durante a festa e, para evitar um constrangimento maior, o cerimonial foi alterado: o presidente, que deveria anunciar a abertura oficial da competição, deixou a tarefa para o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman. As vaias também atingiram Marta Suplicy, quando a imagem da ministra do Turismo apareceu nos telões do estádio.

Agenda previa fala de Lula

No cronograma da festa entregue aos jornalistas, Lula seria o último a se pronunciar, após os discursos de Nuzman e do presidente da Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), Mario Vázquez Raña. O presidente da República falaria a tradicional frase: "Declaro abertos os Jogos". O protocolo, no entanto, foi alterado devido às vaias. A primeira aconteceu quando sua imagem apareceu nos telões do estádio, antes mesmo do início da cerimônia. A segunda quando seu nome foi anunciado pela apresentadora; a terceira, ao ser citado por Nuzman, já no final da solenidade, e a quarta ao ter seu nome pronunciado pelo presidente da Odepa.

Quem estava perto do presidente custou a entender o que se passava. Ao fim da solenidade, quando Nuzman e Raña ainda estavam no palco, Lula se levantou na Tribuna de Honra e um microfone foi colocado à sua frente, como se ele estivesse se preparando para falar. Mas foi Nuzman quem declarou abertos os Jogos. Na tribuna, o microfone à frente de Lula foi rapidamente retirado. A assessoria do presidente informou que houve um desencontro de cerimoniais. O prefeito Cesar Maia, que estava próximo a Lula, deu sua versão para a quebra do protocolo.

- A assessoria de Lula pediu para ele não fazer a declaração, mas se esqueceu de avisar ao presidente da Odepa, que fez a leitura do nome do presidente. O Mario Vázquez acabou sendo, inocentemente, o responsável por um fato constrangedor - disse Cesar.

O prefeito, que chegou ao Maracanã acompanhado do governador José Serra, aproveitou para alfinetar Lula:

- Quando houve a vaia, o presidente se levantou. Não devia ter feito, por uma questão de elegância com os países que estavam desfilando.

Lula estava acompanhado da primeira-dama, Marisa Letícia, do vice-presidente, José Alencar, dos ministros da Justiça, Tarso Genro, do Esporte, Orlando Silva, do Turismo, Marta Suplicy, e da Casa Civil, Dilma Roussef - além do governador Sérgio Cabral, que durante as vaias levantou-se e tentou puxar aplausos para o presidente.

De manhã, Lula visitara a Vila Pan-Americana, onde tirou fotos com atletas e voluntários e percorreu o condomínio construído com financiamento da Caixa Econômica Federal, por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Foram repassados R$189 milhões. Além disso, o Ministério do Esporte liberou R$30 milhões para alugar os 1.480 apartamentos da Vila.

Boa parte da cúpula do governo federal não pôde ser encontrada em Brasília ontem. As autoridades trocaram os despachos burocráticos em seus gabinetes pelo Maracanã lotado, onde aconteceu a abertura dos Jogos Pan-Americanos. Entretanto, outras autoridades cujas áreas de atuação passam longe do Pan aproveitaram a oportunidade para antecipar o fim de semana na festa de abertura dos Jogos. Horas antes de começar a festa, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), já estava ansioso para entrar no estádio. Apesar de ter as passagens compradas com dinheiro público, ele garantiu que já teria que ir ao Rio de qualquer forma, pois tinha um compromisso de trabalho na cidade marcado para segunda-feira.

- Está uma confusão aqui, muita fila para pegar a credencial - reclamou Nardes.

Também estiveram na cerimônia de abertura do Pan os ministros José Gomes Temporão (Saúde), Carlos Lupi (Trabalho), Hélio Costa (Comunicações), Waldir Pires (Defesa) e Altemir Gregolin (Secretaria da Pesca). Dois secretários-executivos de ministérios também foram conferir a festa: Luiz Antonio Rodrigues Elias, da Ciência e Tecnologia, e Nelson Hubner, de Minas e Energia, além do presidente da Infraero, José Carlos Pereira.

O ministro Orlando Silva, que compareceu com a mulher e a filha Maria, de 5 meses, disse, ao deixar o estádio, que as vaias haviam sido orquestradas, sem explicar por quem.

Durante a visita à Vila Pan-Americana e ao Maracanã Lula não deu entrevistas ou fez qualquer discurso.