Título: Retomar Doha?
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 14/07/2007, Opinião, p. 7

Osecretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, esteve no Brasil há poucos dias. Desembarcou proclamando a sua disposição de discutir com entusiasmo a retomada da Rodada Doha de negociações comerciais na OMC.

Até parece... "Talk is cheap", como dizem os americanos. A Rodada Doha vai de mal a pior. A intransigência dos EUA foi uma das principais causas do impasse em que terminou a reunião do G-4 (EUA, União Européia, Índia e Brasil), em Potsdam, no final de junho. O próprio Paulson admitiu que não trazia nenhuma nova iniciativa para tentar relançar as negociações.

Na verdade, o governo americano praticamente perdeu as condições políticas e legislativas para retomar as negociações na OMC. No final de junho, expirou o mandato negociador que o Congresso dá ao Executivo - a chamada "Trade Promotion Authority" (TPA). O governo Bush está muito enfraquecido. Com o Congresso controlado pela oposição democrata, parece praticamente impossível que o Executivo consiga um novo mandato negociador ou a renovação do mandato anterior por mais algum tempo.

Não podemos esquecer que o Congresso do EUA, normalmente mais protecionista do que o Executivo, tem papel crucial na definição da política comercial - em contraste, diga-se de passagem, com o papel basicamente homologatório do Congresso brasileiro. Depois de aprovado um mandato negociador (TPA), o Congresso se limita a aprovar ou rejeitar os acordos na sua totalidade. Mas, sem TPA, todo acordo comercial negociado pelo Executivo fica sujeito a emendas pontuais votadas pelos parlamentares.

Não há apoio político, nem no Partido Republicano nem no Democrata, para reduzir os subsídios agrícolas. Na reunião do G-4 em Potsdam, os EUA propuseram um teto para o valor total dos subsídios agrícolas (US$17 bilhões por ano) muito superior aos gastos atuais (cerca de US$11 bilhões). Como observaram os professores Jagdish Bahgwati e Arvind Panagariya, da Universidade de Colúmbia, em artigo publicado no "Wall Street Journal", os EUA não estavam dispostos a oferecer concessões reais em matéria de subsídios agrícolas.

A União Européia não ficou atrás. Em Potsdam, as reduções de tarifas agrícolas propostas pelos europeus foram acanhadas. No caso dos produtos "sensíveis", categoria em que se inclui a maior parte das exportações brasileiras, os cortes aceitos pelos europeus seriam muito modestos. Além disso, tanto os americanos como os europeus queriam uma "Cláusula de Paz", isto é, uma garantia de que os demais membros da OMC não iniciariam litígios na área agrícola por vários anos.

Apesar de não oferecerem quase nada, os EUA e a União Européia pressionaram o Brasil e a Índia a aceitar cortes profundos em suas tarifas industriais. Em resumo, havia uma nítida desproporção entre o que se pedia e o que se oferecia. O Brasil e a Índia fizeram bem em abandonar a reunião.

Ao que parece, nada mudou desde Potsdam. O presidente da França, por exemplo, em carta ao seu ministro da Agricultura, foi taxativo: "Ninguém deve duvidar da nossa determinação de apoiar a nossa agricultura e pesca." Sobre o futuro da política agrícola comum da União Européia, Sarkovsky frisou que ela deve preservar "o papel da agricultura no desenvolvimento regional" e "a independência alimentar" do bloco.

Nesse ambiente, como retomar Doha?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjrattglobal.net.