Título: Vocação marítima
Autor: Soares, José Celso de Macedo
Fonte: O Globo, 14/07/2007, Opinião, p. 7

A história nos mostra que os portos marítimos sempre foram os grandes impulsionadores do progresso dos países e das regiões onde se situam. Para não ir muito longe no tempo, citemos as grandes cidades da Liga Hanseática, Lubeck, Bremen e Hamburgo que, pelo progresso e importância que seus portos lhes trouxeram, são até hoje consideradas cidades-estado. Rotterdam, na embocadura do Reno, colhe os frutos daquela magnífica via fluvial e do seu porto, hoje o maior do mundo. Quando os holandeses se fixaram na ponta da ilha de Manhattan, com seu porto, deram origem à grande cidade que é hoje Nova York.

No Brasil, a região mais rica, o Sul, não é bem servida de baías e locais adequados para grandes portos. Rio Grande tem barra de difícil acesso, constantemente assoreada, necessitando de constantes dragagens. Não pode atender a grandes graneleiros. Mas é um porto importante, pois, no futuro, com o progresso do Mercosul, poderá atender à saída dos produtos da chamada Mesopotâmia Argentina, as províncias de Corrientes, Missiones e Entre Rios, mais próximas dele que do porto de Buenos Aires. Paranaguá tem barra difícil, canal de acesso complicado, baixa profundidade, não podendo, pois, receber grandes navios. Sua infra-estrutura de armazenagem é precária. Os acessos ferroviários e rodoviários não são dos melhores, e a descida ferroviária, ligação Curitiba-Paranaguá, não permite trens de grande capacidade.

Santos também não tem profundidade para receber navios de grande porte como graneleiros e petroleiros acima de 30 mil toneladas de porte bruto (TPB). Encravado na cidade, Santos não tem, praticamente, retroporto.

O porto do Rio de Janeiro não tem onde se expandir e, pela sua profundidade, não permite a entrada de navios acima de 35 mil TPB. Está muito bem situado para receber embarcações de turismo, desde que melhorem sua estação de passageiros.

Chegamos ao porto de Sepetiba. Extraordinariamente bem colocado, está localizado na mais importante região geoeconômica do Brasil, abrangendo as cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte e de Vitória. Num raio de 500km se concentram 35% da população do país, 70% da produção industrial, 65% dos serviços e 40% da produção agrícola.

A atividade portuária que vai de Vitória a Santos participa com 70% do valor das exportações e 75% das importações. Tem conexão com as principais ferrovias de Minas Gerais e São Paulo. Com seu canal de 20 metros de profundidade e 200 metros de largura, permite atracação de navios porta-contêineres com capacidade acima de 4 mil contêineres e de navios graneleiros até 150 mil TPB. Isto propicia significativa redução nos custos frete/tono. Poderá operar um volume anual de cerca de 90 milhões de toneladas, superando a demanda existente.

Sepetiba será o maior hubport (recebedor e distribuidor de carga) da América Latina e do Atlântico Sul. Já estão concluídos: a dragagem do canal; a infra-estrutura básica dos terminais de carga geral e de contêineres, de produtos siderúrgicos, de grãos. A construção da superestrutura foi entregue à iniciativa privada: o terminal de carvão, capaz de manusear 7 milhões de toneladas/ano, o terminal de contêineres, com capacidade para 1 milhão de contêineres/ano e o terminal de minério com capacidade para operar 15 milhões de toneladas/ano.

Muitas das instalações já estão operando. Toda a área do porto tem cerca de 10 milhões de metros quadrados. Quem entende de instalações portuárias sabe que esses números colocam Sepetiba entre os grandes portos do mundo. Os acessos ferroviários e rodoviários são bons, faltando apenas a conclusão da rodovia RJ-109, que permitirá a ligação, direta, do pólo petroquímico de Duque de Caxias ao porto. Instalar-se-ão no seu retroporto inúmeras indústrias - já estão sendo instaladas siderúrgicas importantes -, oficinas de reparos navais, armazéns alfandegados. Milhares de empregos serão criados.

É preciso, entretanto, urgentemente, planificar a área do retroporto, preparar projetos urbanísticos, vias de acesso e zoneamentos específicos, para impedir a ocupação desordenada, muito comum no Brasil.

O Estado do Rio deve cultivar sua vocação marítima, com sua indústria naval, seus portos bem localizados, sua indústria petrolífera offshore, suas empresas de navegação. Mas, de todos os investimentos hoje em realização no estado, o porto de Sepetiba - que será o maior do Brasil -, pelas repercussões que trará para sua economia, será, indubitavelmente, a jóia do desenvolvimento fluminense.

JOSÉ CELSO DE MACEDO SOARES é almirante, na reserva, engenheiro naval e integrante do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio.