Título: Usinas: país não aceitará intervenção boliviana
Autor: Oliveira, Eliane e Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 14/07/2007, Economia, p. 31

Após insatisfação da Bolívia com hidrelétricas do Rio Madeira, Celso Amorim propõe a chanceler reunião técnica.

BRASÍLIA e RIO. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, deixou claro ontem ao governo boliviano, em carta enviada ao chanceler David Choquehuanca, que o Brasil não aceitará interferências no projeto de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. Em resposta a Choquehuanca, que na última quarta-feira manifestou a Amorim o descontentamento de seu país com a concessão da licença prévia pelo Ibama para a realização das obras, o ministro propôs uma reunião técnica entre representantes dos dois países na semana de 23 a 27, em Brasília. Com isso, ele demonstrou que não interessa ao governo brasileiro dar um tom político ao impasse.

"Os projetos de Jirau e Santo Antônio e seus respectivos embalses estarão integralmente em território brasileiro, e seu licenciamento é responsabilidade das autoridades brasileiras", diz um trecho da carta.

Técnicos garantem que não há risco ambiental à Bolívia

Segundo Amorim, as usinas são fundamentais para o atendimento das necessidades energéticas do Brasil e estão de acordo com a legislação nacional. Ele reiterou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará sempre pronto a discutir o tema com as autoridades bolivianas, que se mostraram preocupadas com possíveis impactos ambientais na Bolívia, onde nasce o Rio Madeira. O ministro citou como exemplo o aproveitamento energético dos recursos da bacia do Madeira "em proveito do desenvolvimento econômico e social dos dois países e do bem-estar de nossas populações".

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, também afirmou ontem que o Brasil não vai se recusar a dialogar com a Bolívia, até porque o país nunca rejeita reuniões.

- Apostamos que o diálogo é sempre a melhor estratégia - disse Dilma, comentando, no entanto, que é preciso ter base para discutir esses eventuais impactos.

Fontes ligadas a Lula disseram que o presidente enviará à Bolívia, dentro de duas semanas, seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. A visita, que já estava programada, mas ainda sem data para acontecer, acabou ganhando força com a nova crise entre brasileiros e bolivianos e terá um caráter eminentemente político.

A mensagem que vem sendo passada às autoridades bolivianas é que a construção das usinas do Rio Madeira é um projeto irreversível. O governo brasileiro, porém, pretende reforçar a oferta - lembrada pelo presidente Lula esta semana - de uma hidrelétrica binacional dentro do território boliviano. Essa usina seria construída na parte boliviana do Rio Mamoré, entre os municípios de Abunã (Bolívia) e Guajaramirim (Brasil), e teria potência de cerca de 3 mil megawatts (quase a capacidade de cada uma das do Madeira).

No Ministério de Minas e Energia, os técnicos asseguraram que as obras não oferecem risco ambiental à Bolívia. Segundo eles, o rio nasce no país vizinho e segue para o Brasil.

Peixes terão caminhos alternativos para desova

Entre os argumentos contrários ao empreendimento, a Bolívia afirma que o peixe dourada sobe o rio, ou seja, entra em território boliviano, para se reproduzir. Os técnicos argumentaram que não haverá problemas, pois serão construídos canais paralelos para evitar prejuízos à desova.

O Ibama exige que o consórcio responsável pela construção das usinas - Furnas e Odebrecht - crie dois caminhos seminaturais ao lado de cada usina, para a migração dos peixes. A instituição também determinou que seja confeccionado um centro de reprodução de todas as quase 500 espécies de peixes já encontradas no Rio Madeira.

O edital de licitação está sendo preparado a toque de caixa. O leilão da usina de Santo Antônio está previsto para outubro e o de Jirau, para início de 2008. Já está acertado que as estatais - Eletrobrás, que controla Furnas - não vão poder participar da disputa na primeira fase. O objetivo do governo com a medida foi atrair mais interessados privados. O governo também já decidiu que o BNDES financiará as usinas.

COLABOROU Liana Melo