Título: Argentina abre caminho para punir ditadores
Autor: Camarotti, Mariana
Fonte: O Globo, 14/07/2007, O Mundo, p. 39

Em decisão histórica, Corte Suprema do país anula indultos concedidos ao ex-general Santiago Omar Riveros.

BUENOS AIRES. Em uma decisão histórica, a Corte Suprema argentina anulou os indultos que favoreciam o ex-general Santiago Omar Riveros, um dos agentes da ditadura militar (1976-1983). O parecer abre caminho para que os perdões dados pelo ex-presidente Carlos Menem a outros repressores líderes das Forças Armadas, como o ex-presidente Jorge Videla e Emilio Eduardo Massera, também sejam derrubados. A ditadura argentina, a mais violenta da América Latina, que deixou 30 mil mortos e desaparecidos, além de sobreviventes de torturas e crianças roubadas de centros clandestinos ao nascer.

A Corte Suprema cumpre, dessa maneira, um ciclo que teve início em 2004, quando declarou que os crimes de lesa-humanidade não prescreviam, durante o julgamento do espião chileno Enrique Aracibia Clavel. No ano seguinte, no caso do militar Julio Simon, a Corte declarou que as leis de Ponto Final e Obediência Devida, de 1989 e 1990, eram inconstitucionais.

Riveros foi preso em 1985 recebeu indultos em 1989

Embora a luta de sobreviventes dos porões da ditadura, de familiares de vítimas e desaparecidos, organizações não-governamentais e movimentos sociais seja permanente na Argentina, na tentativa de levar a julgamento os ex-militares desde que a democracia reassumiu o país, só em 2004 é que a Corte começou a mudar sua posição sobre os casos. A mudança começou com a renovação do corpo integrante colocada em marcha pelo presidente Néstor Kirchner, que ganhou o apoio dos movimentos sociais e familiares.

Santiago Omar Riveros, 83 anos, foi comandante de Institutos Militares de 1975 a 1978. Integrante do Plano Condor (conhecido plano coordenado de repressão na América Latina), Riveros é acusado pelas Avós da Praça de Maio de envolvimento em partos clandestinos de mulheres e roubo de bebês.

Riveros havia sido processado e preso em 1985, por homicídio qualificado, mas terminou sendo beneficiado por Menem em 1989. Além disso, ele tinha sido levado a julgamento - com o ex-general Guillermo Suárez Manson - pelo governo da Itália pelo desaparecimento de três italianos durante a ditadura argentina.

Menem voltou a defender o perdão para repressores

De acordo com o tribunal, "os delitos de lesa-humanidade, por sua gravidade, são contrários não apenas à Constituição Nacional, mas também a toda comunidade internacional". Por isso, declarou que pesa sobre todos os Estados "a obrigação de esclarecê-los e identificar seus culpados"

Ontem, mesmo antes de conhecer a decisão da Justiça, Menem, que governou o país de 1989 a 1999 e atualmente é senador, voltou a defender o perdão.

- O atual governo deu início a uma revisão tendenciosa do passado que não faz mais que reavivar o ódio. É uma revisão parcial, unilateral, mais parecida a uma vingança que a uma atitude equilibrada e ponderada - disse.

A decisão beneficiou, além de Riveros, outros generais em 30 acusações de homicídio, privação ilegal de liberdade e outros crimes contra a Humanidade. As leis de perdão deixaram impunes militares que, como Videla, haviam sido julgados e condenados à prisão perpétua no histórico julgamento contra a Junta Militar em 1985.

Também nesta semana nove ex-militares do Exército - que não ocuparam presidência de Juntas ou instituições militares nem foram beneficiados pelas leis do perdão - começaram a ser julgados por crimes contra a Humanidade cometidos na última ditadura. Até então, apenas policiais tinham ido a julgamento - e dois foram condenados em 2006. Na semana passada, o ex-capelão policial Christian Von Wernich sentou-se pela primeira vez no banco dos réus pelos mesmos motivos, em um julgamento que deve durar até setembro.