Título: Saúde
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/07/2007, O Globo, p. 2

Encarregado pelo presidente Lula de realizar uma das promessas contidas em seu bordão da reeleição - crescimento com distribuição de renda, saúde e educação de qualidade - o ministro José Gomes Temporão prepara o seu PAC da Saúde (apelido que rejeita e detesta) brigando em duas frentes. Em uma, contra as corporações, fará a mudança gerencial dos 250 hospitais públicos, transferindo-os a fundações estatais, na linha proposta quinta-feira. Na outra, negocia com a área econômica e articula no Congresso a regulamentação da Emenda 29, o que pode dar à saúde um volume inédito de recursos.

Hoje, o que falta na saúde não é dinheiro, é gestão. Ouve-se muito isso por aí. Temporão diz que faltam as duas coisas ao mesmo tempo. Este ano, o setor público gastará com saúde cerca de R$80 bilhões: o governo federal, os R$40 bilhões do Orçamento; e os estados e municípios, R$20 bilhões cada. É muito dinheiro, é mal gasto, mas ainda assim, para o ministro, estamos longe do gasto ideal. Ele vem crescendo desde o ano 2000, quando entrou em vigor a Emenda 29, aprovada por iniciativa de José Serra. A emenda obriga os estados a gastarem anualmente 12% das receitas correntes, e os municípios, 15%. Já a União teria que manter o orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação e acrescido da variação do PIB. Esta regra, estabelecida provisoriamente até que houvesse a regulamentação, fez a festa no início, mas agora desperta temores. Se vem uma recessão, o orçamento vai encolher. E, nas recessões, a saúde piora e a demanda por ações de saúde aumenta. O projeto propõe que a União passe a destinar sempre 10% das receitas brutas correntes. É o que se gasta no primeiro mundo. Temporão está discutindo a proposta e as alternativas com a área econômica, ainda resistente ao aumento do gasto.

Para sustentar que o gasto brasileiro ainda é baixo, o ministro diz que em países como Inglaterra, França, Canadá e Espanha, que adotam sistemas de acesso universal, o Estado responde por 60% do gasto total com saúde. No Brasil, por apenas 45%. O setor privado, que atende um público bem menor - os 40 milhões que têm planos de saúde - entra com 55%. Isso já é uma medida da desigualdade. No passado, quando a rede pública só atendia aos segurados do INSS, o Inamps respondia por 65% do gasto total. Olhando-se pelo gasto per capita, ele é de R$420 por pessoa na rede pública, e de R$1 mil no setor privado.

- O desafio hoje é aumentar o gasto geral e, ao mesmo tempo, melhorar a gestão, maximizando a qualidade. Se não fizermos isso, o sistema entrará em colapso daqui a 20 anos, quando teremos 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos - diz Temporão, lembrando que as doenças que mais matam no Brasil hoje são o câncer e as cardiovasculares, combinadas com a violência, incluindo a do trânsito. É o mesmo padrão dos países ricos, embora gastemos muito menos. Pesa ainda o fato de que, em saúde, as novas tecnologias não substituem pessoas, como, por exemplo, nos bancos. Nos hospitais, cada equipamento novo exige mais um empregado qualificado, e isso é custo.

Mais dinheiro tem sido dado à saúde e nem por isso ela tem melhorado. Como marcar uma consulta é missão impossível, os sem-plano abarrotam as emergências, que mais parecem hospitais de guerra. Isso, Temporão está certo de que não mudará sem a mudança do padrão gerencial. É o que será feito tão logo seja aprovado o projeto enviado por Lula anteontem ao Congresso. Regulamentando o artigo 37 da Constituição, parte da reforma administrativa do governo passado, ele prevê a criação das fundações. Elas vão gerir os 250 hospitais públicos do país. E 11 estados, segundo Temporão, já decidiram aderir ao modelo.

A coluna tratou ontem das vantagens deste sistema, ao flexibilizar as regras administrativas: profissionalização, contrato de gestão, mais transparência, maior exigência aos que serão contratados pela CLT, entre outras. Este regime é semelhante ao que rege a Rede Sarah, uma ilha de excelência, embora a Fundação das Pioneiras Sociais seja de natureza privada. Será uma mudança ousada, na área que ainda faz ecoar a velha frase de Mário de Andrade/Macunaíma: "muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são".