Título: 'Donos' de lotes correm para legalizar casas e escapar de leilão
Autor: Lima, Maria e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 15/07/2007, O País, p. 3

O OUTRO ESCÂNDALO DA CAPITAL: Tratores dos fiscais da Terracap não distinguem classe social e demolem habitações irregulares em condomínios de ricos e pobres. "As pessoas têm que aprender a viver na legalidade ", diz chefe dos fiscais.

Governo Arruda anunciou que os terrenos não edificados terão venda pública e acompanha obras com fotos aéreas. Nos locais mais pobres, moradores fazem mutirões

Evandro Éboli, Maria Lima e Ilimar Franco

BRASÍLIA. Nos últimos meses, a capital federal assiste a um boom silencioso da construção civil. O fenômeno nada tem a ver com a expansão imobiliária, e sim com a guerra declarada pelo governo do Distrito Federal às invasões. Quando assumiu, o governador José Roberto Arruda (DEM) anunciou que todos os terrenos não edificados nessas áreas serão leiloados. A nova regra levou os "donos" desses lotes a iniciarem obras a toque de caixa. Todos os proprietários de terras irregulares terão que pagar ao governo para legalizar suas posses, mas uma construção - pequena que seja - os livra do leilão, garantindo a prioridade de compra.

É comum encontrar - principalmente nos loteamentos em áreas pobres - mutirões de moradores virando laje madrugada adentro. Isso acontece porque, desde 1º de janeiro deste ano, está em vigor um decreto do do governo que institui um plano de regularização dos terrenos do Distrito Federal. Este plano, proíbe novas obras em lotes ilegais. A medida teve o aval do Supremo Tribunal Federal (STF).

- Fizemos um mapeamento no último dia do ano passado e, desde então, estamos acompanhando as obras com fotos aéreas. Sabemos quem construiu depois disso. O entendimento do Supremo, ao aprovar a venda direta, é que era para preservar o direito de moradia, de quem já estava morando no local e que não tem nenhuma outra moradia no Distrito Federal - disse Antônio Gomes, presidente da Terracap, a empresa do governo que administra as terras públicas.

Trabalho dos fiscais é acompanhado pela PM

A fiscalização da Terracap conta com o apoio de um helicóptero do governo, que sobrevoa diariamente os mais de 500 condomínios da capital. Quando detecta uma obra irregular, os fiscais são acionados e fazem a demolição. A fiscalização não distingue classe social. Atinge condomínios de ricos e pobres. Na última quarta-feira, o GLOBO acompanhou uma ação dos fiscais no condomínio RK, de classe média, que fica na cidade-satélite de Sobradinho.

O trabalho dos fiscais é acompanhado por um forte aparato da Polícia Militar, que garante a demolição do imóvel. Alguns moradores tentam impedir a ação da fiscalização, mas não conseguem evitar os tratores. Diante da casa onde vivia ao chão, um parente de um morador, que preferiu não se identificar, desesperava-se e atacava o governador.

- Vão fazer isso lá no Lago Sul. Aqui, as pessoas estão pelejando para sobreviver e vocês vêm destruir tudo. Esse Arruda ainda veio aqui na campanha, fez comício e acaba nisso. É safadeza - disse.

Num ato de desespero, outra moradora do condomínio, a professora de artes cênicas Zeir Micas de Souza, partiu para cima dos fiscais e chegou a tirar a blusa em protesto. Ela disse que falava em defesa do "povo descamisado".

O tratorista Evandro José da Silva, que há três anos é contratado pela Terracap para demolir os imóveis, contou já ter ficado em apuros e disse que a reação mais agressiva ocorre sempre em áreas mais pobres. No condomínio RK, ele não foi importunado.

- Graças a Deus, foi tudo bem. Já tentaram me agredir algumas vezes, mas hoje foi tranqüilo. Ainda bem, né? - disse Evandro Silva.

Um dos chefe da fiscalização, o major Maurício Gouveia, que já atuou em vários governos, disse que a ação dos fiscais não pára.

- É uma ação que preferia não ter que fazer, mas é nossa obrigação. As pessoas têm que aprender a viver na legalidade - disse Maurício Gouveia.