Título: A segunda ocupação de Brasília
Autor: Lima, Maria e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 15/07/2007, O País, p. 3

O OUTRO ESCÂNDALO DA CAPITAL

Terras públicas foram griladas com estímulo e dividendos eleitorais para grupo ligado a Roriz.

Já faz mais de 20 anos que a capital federal, patrimônio da humanidade, é comandada por um grupo de políticos que acumula riqueza e controla o poder à base da ocupação de terras públicas - a exceção foi o governo de Cristovam Buarque (hoje no PDT), de 1999 a 2002. O estímulo à grilagem realizada em proporção poucas vezes vista no país é o alimento principal desses políticos, que resistem a escândalos sucessivos de corrupção graças ao fiel eleitorado conquistado com a atividade ilegal. Os números são impressionantes: com as bênçãos do ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz, o principal beneficiado eleitoralmente com o esquema, o deputado distrital Pedro Passos e os ex-deputados distritais Gim Argello, Odilon Aires, José Edimar, entre outros, cerca de 26% da população do Distrito Federal, ricos ou pobres, vivem hoje em loteamentos irregulares.

- Foi a maior grilagem de terras urbanas na História do Brasil nos últimos 20 anos - diz o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM).

Para o Ministério Público, a derrocada de Roriz, que renunciou ao mandato de senador para escapar da cassação, foi um tiro no coração de uma organização criminosa que dilapidou terras nobres na capital.

- A queda do Roriz foi uma grande vitória para o Ministério Público nesta batalha histórica que travamos contra o descontrole fundiário no Distrito Federal. Espero que o seu grupo tenha um desfecho definitivo - diz o promotor de Justiça do DF Paulo José Leite Faria.

"Brasília não vai virar um Rio de Janeiro"

Essa ação ilegal gerou um drama social que envolve hoje 533.578 pessoas de um total de 2,05 milhões de habitantes. Essas pessoas vivem em 513 condomínios e loteamentos que existem à margem da lei. O governador Arruda, em seu primeiro dia de governo, determinou a proibição de qualquer nova construção nas áreas invadidas. A partir de agora, com a aprovação de uma lei de sua autoria em parceria com o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), está permitindo a venda direta para os moradores. Eles adquiriram os lotes de grileiros de terras públicas e vão ter que pagar novamente pelos lotes, agora para o governo.

- Brasília não vai virar um Rio de Janeiro - diz Arruda.

Desde que tomou posse, Arruda enfrentou irregularidades que se estendiam há duas décadas. No Parque da Vaquejada, um dos loteamentos, foram derrubadas 170 casas construídas do dia para a noite; um prédio inacabado de 13 andares à beira do Lago, que pertencia ao empresário Nenê Constantino, foi implodido; o esqueleto de um shopping não construído, no Lago Norte, que pertencia ao vice-governador Paulo Otávio, ao ex-senador Luís Estevão (cassado) e ao ex-deputado Sérgio Naya (cassado), foi derrubado; o esqueleto do prédio comercial inacabado de uma grande loja, no centro, foi derrubado; foram destruídos piquetes de nova invasão de ricos no Altiplano Leste; e foi retomada área de 500 metros quadrados que havia sido invadida pelo empresário e ex-senador Walmir Amaral.

O secretário de Desenvolvimento Urbano do DF, o ex-prefeito de Curitiba Cassio Taniguchi, diz que os que sobraram do grupo político de Roriz tentam barrar na Câmara a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial:

- O Plano acaba com a fonte de propina, acaba com a boquinha. Em vez de pagar ao deputado, o morador vai pagar ao poder público. Sem isso não tem a regularização dos condomínios.

Os deputados distritais têm participação decisiva, e muitos são acusados de integrarem o esquema de grilagem, aprovação da criação de novos condomínios e parcelamentos irregulares.

- O Roriz liderou uma grande máfia fundiária em Brasília. Até agora o poder público agiu com total descompostura em relação à questão do grande estoque de terras de uma capital que é patrimônio da humanidade e enchia os olhos dos gananciosos. Além da criação de cidades com a farta distribuição de lotes, sem infra-estrutura e empregos, isso contribuiu para a explosão demográfica desordenada. Hoje existe uma panela de pressão no entorno capaz de explodir a qualquer momento - avalia Carvalho.

Em 2003, a Polícia Federal deflagrou a Operação Grilo, que culminou com a prisão do então deputado José Edmar (PMDB), aliado de Roriz e um dos braços da máfia da grilagem na Câmara Distrital. Outras nove pessoas foram presas, e mais de mil servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário locais foram investigados.

Maria do Socorro Lucena Araújo, ex-administradora da cidade-satélite de Santa Maria, e vários funcionários do governo do DF foram indiciados pela Polícia Federal. Um dos maiores amigos de Roriz, o deputado Pedro Passos, foi investigado e acusado de chefiar a máfia da grilagem, juntamente com seus irmãos, Alaor e Márcio.

O delegado chefe da Operação Grilo, o hoje secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, disse que mais de cinco quadrilhas de grileiros agem no DF, e que a questão fundiária era comandada pelo crime organizado.

- Há um marco naquela operação que foi o rompimento da inércia do Estado com relação a esse problema. Mais do que prender, queríamos documentar como se processa a grilagem, a intersecção disso com a política, usando a grilagem como moeda de troca - diz Corrêa.

"Tem sempre um político ganhando dinheiro"

Um dos maiores opositores da turma da grilagem na política do DF, o hoje deputado Federal Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) aponta os irmãos Passos como os cabeças do esquema:

- Em associação com o poder público, a família Passos liderou, de forma ousada e ardilosa, a máfia da grilagem. Aqui se estabeleceu o crime organizado com a conivência do poder público promovendo a maior corrupção da história do Distrito Federal. Se contarmos que foram grilados cerca de 100 mil terrenos, é um negócio bilionário, de R$1,8 bilhão - diz Rollemberg.

Internado em uma de suas fazendas desde que saiu da prisão por causa da Operação Navalha, Pedro Passos se defende das acusações de ter se beneficiado de desapropriações de suas terras no governo Roriz:

- Isso não passa de ilação, é uma coisa fantasiosa. É tudo fruto de uma discussão fundiária que se arrasta há 20 anos.

Na outra ponta, a presidente da União dos Condomínios Horizontais do DF, Júnia Bittencourt, reclama que há cerca de 30 anos os moradores de parcelamentos e condomínios estão à mercê desse grupo político que, a cada eleição, promete a regularização dos terrenos:

- Viver com a pecha de invasor é horrível! A regularização sempre foi assunto que rendeu voto. Tem sempre um político ganhando dinheiro e fazendo chantagem eleitoral - acusa.

COLABOROU Dimmi Amora