Título: Desastre florestal com a bênção do governo
Autor: Marquesini, Marcelo
Fonte: O Globo, 15/07/2007, Opinião, p. 7

A Polícia Federal voltou à carga com a repressão ao roubo de madeira na Amazônia. A operação Ouro Verde II revelou um esquema que envolve madeireiros, fiscais corruptos e hackers que conseguiram driblar o novo sistema de controle da circulação de produtos de origem florestal no Brasil. Entretanto, as informações que nos chegam do campo revelam que é desnecessário o envolvimento de corruptos e especialistas em informática para burlar o sistema de segurança máxima que o governo federal lançou com estardalhaço em setembro passado.

Apresentado como salvador da floresta, o sistema burlado no Pará gera digitalmente o documento de origem florestal (DOF), do qual todas as cargas de madeira devem ser acompanhadas. Só para se ter uma idéia do tamanho da brecha, o procedimento de fiscalização feito durante o transporte das cargas Brasil afora não inclui a checagem online das informações apresentadas em papel comum pelo portador da madeira.

Na prática, a falta de acesso à internet para os fiscais permite a circulação de madeira atestada por "documentos" forjados em um editor de textos ou em uma copiadora. Os laptops e palmtops anunciados pela ministra e pelo então presidente do Ibama nunca apareceram.

A fraude descoberta esta semana, de operação bem mais complexa, consistia na inserção indevida de "créditos" florestais no sistema que permite a impressão de DOFs. Com isso, uma empresa emitiu, em cinco dias, 18.792 DOFs, o suficiente para vender 600 mil metros cúbicos de madeira. A polícia estima que mais da metade dos documentos já foram utilizados para "esquentar" cerca de 50 mil árvores extraídas ilegalmente no Pará, em Rondônia e no Mato Grosso.

São duas as formas mais comuns de se legalizar madeira extraída ilegalmente de florestas naturais: nas autorizações de exploração ou durante o transporte.

Para ilustrar o tamanho do problema, em dezembro de 2005, o Greenpeace comprou um carregamento de madeira ilegal em Rondônia, adquirindo documentos de transporte e notas fiscais no mercado paralelo e transportando a carga até São Paulo, onde a madeira foi entregue à Polícia Federal.

Seguindo sua política de descentralizar a gestão florestal, ou seja, passar o "mico" para os estados, o governo federal disponibilizou esse bem-vindo mas ainda frágil sistema DOF.

Interessado em passar a gerir seu próprio estoque florestal, o governo do Mato Grosso se antecipara e colocara em operação o Sistema de Cadastro, Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora), posteriormente adotado também por Rondônia, pelo Pará e pelo Maranhão. Os quatro estados respondem por mais de 90% da madeira processada na Amazônia.

Os sistemas informatizados têm enorme potencial, faltando cruzar os dados dos sistemas com a realidade no campo. Salvo casos específicos, os fiscais baseados nas capitais sequer têm tido o trabalho de ir nos depósitos de madeira de suas cidades. Como o sistema funciona em tempo real, a conta da empresa deve refletir o que ela tem em seu depósito naquele momento, facilitando a fiscalização.

Compartilhar a responsabilidade com os governos estaduais pela gestão das florestas brasileiras não se dá por decreto. É preciso disponibilizar recursos financeiros e humanos para que o controle da exploração florestal seja realmente efetivo.

Se a gestão florestal já está difícil para os estados, o que dizer das concessões florestais? As primeiras concessões em áreas federais deverão acontecer no final deste ano. Sem uma mudança radical na política em nível estadual, o desastre do descontrole florestal no Brasil só tende a crescer, e com a bênção do governo federal.

MARCELO MARQUESINI é engenheiro florestal e integrante do Greenpeace.