Título: Arma registrada é segurança
Autor: Genro, Tarso e Abramovay, Pedro
Fonte: O Globo, 17/07/2007, Opinião, p. 7

A partir da aprovação do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, o Ministério da Justiça iniciou uma política de banimento das armas no Brasil. Sua implementação deu-se com a efetivação do Sistema Nacional de Armas, com a tão bem-sucedida campanha de entrega de armas - que, superando as expectativas governamentais, recolheu quase 500 mil armas em todo o território nacional - e com uma série de outras medidas implementadas desde então.

Premiada pela Unesco, a campanha brasileira tem servido de modelo a iniciativas similares de outros países e contribuiu significativamente para a redução do número de mortes violentas no país. Aniquilando e invertendo a tendência de crescimento anual de 7,2%, obteve importante redução de 8,2% no número de mortes ocasionadas pela utilização de armas de fogo entre 2004 e 2005 - com 3.200 vidas poupadas. São significativos, também, os dados que apresentam a redução de internações hospitalares.

Com o referendo de 2005, no entanto, a sociedade sinalizou ao governo a necessidade de uma mudança de foco: não se trata mais de abolir as armas, dado o reconhecimento do direito do cidadão brasileiro a possuí-las. Importante notar, porém, que isso evidentemente não significa um clamor pelo fim de uma política forte relativa ao mais letal dos instrumentos fabricados pelo homem. Ao contrário, a própria adesão em massa à campanha de entrega de armas demonstra que a sociedade brasileira anseia que o governo mantenha um papel ativo na questão.

Em função disso, o Ministério da Justiça anuncia a passagem da política de banimento para a política de rigoroso controle. Seu principal objetivo é ampliar o controle do Estado brasileiro sobre as armas que existem no país, possibilitando a identificação de sua origem e destino - se legais, se roubadas, se já destruídas. Estimativas das secretarias de Segurança estaduais indicam que o Brasil possui algo em torno de 8 milhões de armas de fogo, das quais apenas 4,3 milhões estão regularizadas. Tais dados demonstram, em última instância, que há milhões de brasileiros na ilegalidade, muitas vezes sem ter essa exata dimensão.

Para transformar essa situação, o governo lançou uma campanha pela legalidade, que pretende regularizar definitivamente a situação dos detentores de arma no Brasil. Para tanto, o governo editou a Medida Provisória 379, que reduz em 80% o preço do registro de arma e estende o prazo para o registro federal, que expirava no dia 2 de julho, para 31 de dezembro deste ano. Neste período o governo fará uma ampla campanha de esclarecimento, convidando todos os proprietários de armas a registrá-las na Polícia Federal. Se a arma é sempre um perigo, além de um instrumento de defesa, o fato de ela não estar legalizada facilita o seu desvio de finalidade, pois favorece o seu uso para fins clandestinos, com a presunção de impunidade para o seu proprietário.

Um controle efetivo interessa a todos os lados envolvidos no Referendo. Aqueles que defenderam o Sim certamente acreditam ser fundamental que o Estado não abdique do seu dever de "controlar" as armas de fogo no Brasil. Os defensores do Não também têm interesse que o direito que queriam assegurar - o de possuir uma arma - seja exercido dentro da lei. Esta política é apenas contrária ao interesse do crime organizado que necessariamente opera na ilegalidade.

Desta forma, sinalizamos claramente que o governo federal, que desde 2003 adota uma política avançada sobre as armas de fogo, continuará tendo este como um de seus eixos centrais da elaboração de sua política de segurança pública. Na certeza de que, somente com uma política firme de controle, poderemos enfrentar o problema das armas de fogo, que causam a morte de tantos brasileiros e brasileiras.

TARSO GENRO é ministro da Justiça. PEDRO ABRAMOVAY é secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.