Título: Escândalo derruba ministra
Autor: Camarotti, Mariana
Fonte: O Globo, 17/07/2007, O Mundo, p. 23

Suspeita de corrupção, titular da Economia argentina se demite a 3 meses das eleições.

Depois de 20 dias que agitaram o panorama político argentino, a ministra da Economia, Felisa Miceli, pediu demissão ontem, horas depois de ser convocada para depor na Justiça. No início do mês passado, foi encontrada uma sacola com cerca de US$60 mil em espécie no banheiro do gabinete da ministra.

O escândalo, que começou quando a imprensa argentina divulgou que o dinheiro fora encontrado numa revista de rotina nos gabinetes da Casa Rosada, sede do governo argentino, cresceu depois que Miceli caiu em contradições e não conseguiu explicar logo de onde o dinheiro surgira.

A demissão ocorre a apenas 3 meses da eleição presidencial, na qual o presidente argentino indicou sua mulher, a senadora Cristina Kirchner, como candidata. Miceli era uma ministra fraca, que muitos críticos consideravam pouco mais do que alguém que, no cargo, apenas obedecia às determinações de Kirchner. Mas o escândalo ocorre num país ainda traumatizado com a crise econômica do início da década. Muitos interpretaram que o governo pressionou para que ela entregasse o cargo antes que a primeira-dama oficializasse sua candidatura, o que ocorrerá em dois dias.

A carta de renúncia da ministra, entregue ontem ao presidente, justifica sua decisão da seguinte maneira: "A difusão de atos concernentes à minha vida privada, vinculando-os com a minha atividade pública, gerou um dano não merecido à minha honra e que sem dúvida afeta nosso governo".

O governo argentino anunciou ontem mesmo o novo ministro, Miguel Peirano, até ontem secretário da Indústria, fiel ao presidente Néstor Kirchner. Ele foi negociador do Mercosul para o setor automobilístico.

A designação de Peirano é vista como um forte sinal da Casa Rosada ao setor industrial, que atualmente critica Kirchner pelos apagões de energia elétrica e pelos cortes de gás que prejudicaram o trabalho das fábricas em meio à pior crise energética dos últimos 20 anos.

Ex-ministra pode ser processada

A misteriosa sacola de dinheiro foi encontrada no armário do banheiro do gabinete de Miceli, com US$31 mil e 100 mil pesos, durante uma inspeção de rotina da brigada de incêndio da Polícia Federal no dia 5 de junho, mas o caso só foi denunciado no dia 24 pelo jornal "Perfil". O registro da ocorrência feito pela política, que havia desaparecido, foi divulgado pelo próprio Ministério da Economia com valores diferentes dos citados pelo jornal, que seriam de US$240 mil.

Após mais de uma semana de silêncio, Miceli tentou dar explicações de que o dinheiro era para comprar um apartamento, operação que acabou não sendo realizada, e que boa parte tinha sido emprestada por seu irmão. As justificativas desencadearam ainda mais especulações e não convenceram o presidente Kirchner, que mesmo assim a manteve por mais de uma semana no cargo, tentando chamar a atenção para a campanha da mulher.

Após uma entrevista coletiva contraditória, na qual disse que tinha o costume de guardar dinheiro também no guarda-roupa da sua casa, o que não coincide com o perfil de uma então ministra da Economia, a Justiça descobriu uma série de informações que derrubavam suas explicações.

O promotor federal Guillermo Marijuan, responsável pelo caso, afirmou que os dados contradiziam as explicações. Marijuan justifica que suspeita que, "com a posse do dinheiro", Miceli "encobriu uma operação financeira anterior de legitimidade duvidosa". A ex-ministra pode ser processada após o depoimento.

Segundo as investigações, os 100 mil pesos estavam separados, empacotados e tinham a etiqueta do Banco Central. O rastreamento mostrou que a soma tinha sido sacada da financeira Caja de Crédito Cuenca, no município de San Martín, na Grande Buenos Aires. De acordo com as investigações, nem a ex-ministra nem seu irmão aparecem como clientes da financeira.