Título: Tragédia anunciada
Autor: Freire, Flávio e Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 18/07/2007, O País, p. 3

Airbus da TAM explode em Congonhas, em acidente que pode ter matado pelo menos 201.

Dez meses depois do que tinha sido o maior acidente da aviação brasileira, um Airbus A-320 da TAM, com 176 pessoas a bordo - 170 passageiros e seis tripulantes -, explodiu por volta das 18h50m de ontem, após derrapar na pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tentar arremeter, atravessar a movimentada Avenida Washington Luís e se chocar, do outro lado da pista, contra um prédio onde há um depósito de combustível da própria TAM. Até o fim da noite, bombeiros tentavam conter o fogo e não tinham conseguido chegar ao A-320. Autoridades descartaram a possibilidade de haver sobreviventes no Airbus. Corpos de outras 25 pessoas que estavam no prédio da TAM foram retirados até as 23h. Pelo menos 201 pessoas, portanto, morreram no maior acidente da História do país - no choque de um Boeing da Gol com um jato Legacy, em setembro passado, morreram 154.

O desastre acontece não apenas menos de um anos depois da tragédia em Mato Grosso, mas também de uma sucessão de falhas que põe em xeque a segurança aérea no país. Pousos e decolagens do Aeroporto de Congonhas foram suspensos.

Pista foi liberada sem conclusão das obras

O Airbus da TAM tentou aterrissar, quando chovia forte, na pista recém-inaugurada - e liberada apesar de não ter as ranhuras que ajudam no escoamento da água e evitam deslizamentos. O piloto não conseguiu frear o avião, que atravessou a cabeceira da pista número 35 e chocou-se com o depósito de combustível da TAM Express, às margens do aeroporto, na Washington Luís. O prédio fica ao lado de um posto de gasolina, que também foi atingido.

O resgate dos corpos do avião foi interrompido por volta das 22h30m porque as chamas voltaram a tomar conta do local do desastre. Uma parede do prédio caiu em cima dos destroços do avião. Os corpos dos 176 passageiros do Airbus estariam todos carbonizados. A temperatura do aparelho chegou a mil graus centígrados, segundo um bombeiro.

Havia muita fumaça no local e um forte cheiro de corpos queimados. Como a energia elétrica foi desligada para evitar novas explosões, o desespero era total no local, mas nem parentes dos funcionários do depósito da TAM Express conseguiam ter informações.

O vôo JJ-3054 saiu de Porto Alegre às 17h16m e deveria ter pousado às 18h17m em Congonhas, de acordo com informações do painel eletrônico do aeroporto. Mas o piloto teria perdido o controle da aeronave no momento do pouso e não conseguiu parar o avião, tentando arremeter. Como chovia em São Paulo, uma das explicações para a tragédia seria a dificuldade de manobrar na pista molhada e em razão de a nova pista ter sido liberada sem a conclusão das obras. O funcionário da TAM Francis Rodrigues Ferreira, que estava dentro do prédio da empresa na hora do acidente, temia haver muitos mortos no local:

- Quando o avião bateu no depósito, já explodiu e incendiou. O problema é que no depósito da TAM trabalham aproximadamente 500 pessoas, embora na hora muita gente já tivesse ido embora. Mas de cem a 200 pessoas ficaram presas no segundo andar do prédio, que começou a pegar fogo. Eu estava no primeiro andar e conseguiu fugir. Aquilo virou uma grande bola de fogo - disse Francis.

Pouco antes das 20h30m, parte do prédio da TAM Express começou a ruir, ameaçando também várias casas próximas. A região foi esvaziada pelo Corpo de Bombeiros. José Almeida, que mora a pouco mais de 50 metros do acidente, disse que estava vendo TV quando ouviu um estrondo muito forte. Ele contou que era impossível reconhecer os destroços do avião.

Mais emocionado estava Odilon Ribeiro, funcionário da TAM. Ele disse que saiu do prédio atingido pelo avião cerca de meia hora antes do acidente. Voltou logo que soube da tragédia. Já o frentista Rodrigo Gomes da Silva, que trabalha num posto de gasolina na Avenida Bandeirantes, a cerca de 200 metros do local, disse que levou um susto quando ouviu o barulho da forte explosão. Contou que depois disso sentiu uma forte onda de calor e a rua toda foi tomada por uma fumaça negra.

O acidente com o avião da TAM ocorreu duas semanas depois da liberação da pista principal de Congonhas, que está localizado numa área residencial da cidade e é o mais movimentado do país. Mas as obras, entregues com dois dias de atraso em relação ao cronograma inicial, não foram completadas. Faltaram a conclusão de uma das pistas onde as aeronaves realizam manobras e do grooving (ranhuras na pista que ajudam nas aterrissagens dos aviões e no escoamento da água da chuva). À época da reabertura da pista, o presidente da Infraero (estatal que administra os aeroportos do país), brigadeiro José Carlos Pereira, chegou a afirmar que as obras ocorreram dentro do cronograma, apesar de alguns detalhes de acabamento ainda não terem sido totalmente concluídos. A reforma da pista de Congonhas começou no dia 14 de maio.

A TAM divulgou nota, em que diz: "Neste momento, não podemos determinar a extensão dos danos ou de possíveis lesões sofridas pelos ocupantes do avião, passageiros e tripulantes. Uma equipe da TAM já está no local e outros técnicos da companhia estão a caminho. A assistência de emergência também está sendo prestada pelo Corpo de Bombeiros, Infraero e outras autoridades aeronáuticas".

É a segunda vez que a companhia, líder do mercado nacional de aviação, se vê envolvida em um acidente de grandes proporções. Em 31 de outubro de 1996, um Fokker 100 da TAM que saiu de Congonhas para o aeroporto Santos Dumont, no Rio, caiu sobre várias casas logo após decolar. O acidente matou 99 pessoas.

O Aeroporto de Congonhas ficou fechado para pousos e decolagens desde as 18h45m, com os vôos sendo transferidos para Guarulhos e Campinas. Todo o trânsito em torno do aeroporto de Congonhas ficou congestionado. Por volta das 20h, os bombeiros começaram a retirar vítimas do prédio, mas não do avião, o que só começou a ser feito depois das 23h.

O motorista de táxi Paulo Carol, que passava em frente ao prédio da TAM a caminho do Aeroporto de Congonhas, levando dois passageiros, ainda viu o avião caindo e explodindo:

- Parei o carro e os dois passageiros saíram correndo. Com o prédio em chamas, pensei que meu carro também fosse explodir e tentei deixar o local, mas o carro morreu. Os dois passageiros me tiraram e corremos.

Cerca de três milhões de pessoas moram próximo de Congonhas. São moradores de bairros como Moema, Campo Belo, Planalto Paulista, Jardim Aeroporto e Jabaquara. Raphael Oliveira, morador de um prédio ao lado do depósito da TAM Express, disse que esse era uma tragédia anunciada:

- Moro num prédio de cinco andares ao lado da pista. Os aviões passam a poucos metros do prédio. Quando o avião caiu no prédio da TAM achei que o prédio onde moro seria atingido. Vi muita gente saindo machucada, correndo. O movimento era frenético, com ambulâncias saindo com muita gente ferida e morta.

COLABORARAM: Aguinaldo Novo, Germano Oliveira e Lino Rodrigues