Título: Poluição autorizada
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 18/07/2007, Economia, p. 25

Conama aprova resolução que permite petrolíferas jogarem mais óleo e graxa no mar.

Aindústria de petróleo está autorizada a jogar mais óleo e graxa no mar. O aumento da poluição química foi consentido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que aprovou resolução permitindo o incremento: de 20 miligramas por litro (mg/L) dessas substâncias para 29 mg/L. A decisão foi tomada à revelia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), que apresentou parecer contrário. Com exceção dos ministérios da Saúde e do Trabalho, todas as outras pastas do governo foram favoráveis à decisão. A resolução entrou em vigor no último dia 4. Desde então, o setor tem permissão para jogar no mar 50% a mais de óleo e graxa.

A Petrobras considera a decisão do Conama avançada, e não retrógrada, já que ela "é equivalente à legislação mais restritiva existente no mundo, que é o caso do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, onde o descarte médio é de 29 mg/L". A empresa despejou em alto mar, em 2003, 1.060 toneladas de óleo e graxa, oriundos de uma produção de 53 milhões de toneladas de água (que vem junto com o petróleo extraído). Se o novo patamar de descarte já estivesse em vigor naquele ano, a empresa estaria autorizada a jogar mais 477 toneladas de poluentes.

Esses cálculos fazem parte do parecer do Ibama enviado ao Conama, que chama a atenção ainda para o fato de a decisão não vir acompanhada de metas gradativas de redução. A resolução também não faz diferença entre o descarte das plataformas mais antigas, onde o volume de água de produção é dez vezes maior do que o volume de óleo produzido, e as mais recentes.

- Estamos regredindo ao assumir uma postura que vai na contramão do mundo. Apesar de a legislação lá fora ser mais flexível, na prática as empresas estão reduzindo o volume de descarte. Aqui, estamos fazendo exatamente o contrário - afirmou Guilherme Augusto Carvalho, da Coordenadoria Geral de Petróleo e Gás, escritório vinculado à Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama.

Pressão de custos influenciou decisão

Ainda que os técnicos do Ibama admitam que esse aumento pode ser inofensivo a curtíssimo prazo, eles ponderam que, a médio e longo prazos, espécies marinhas endêmicas e ameaçadas de extinção poderão sofrer com o incremento do descarte.

A decisão do Conama foi baseada em cálculos matemáticos, que concluíram ser inócuo para o meio ambiente o aumento do descarte. Não bastasse isso, pressões de custos poderiam inviabilizar a produção das empresas, caso o limite não fosse flexibilizado.

- Ou mudávamos o padrão ou a indústria seria obrigada a reduzir seu volume de produção - admite a assessora ambiental do Conama, Cleidemar Batista Valério.

Técnicos do Ibama discordam dessa tese, alegando que "uma eventual perda de produção de 680 barris por dia poderia ser considerada baixa, se comparada com a produção brasileira de 1,7 milhão de barris diários, e em nada atrapalharia a meta brasileira de atingir a auto-suficiência, o que efetivamente ocorreu no ano passado".

Não é de hoje que o embate entre alguns ministérios, sobretudo o de Minas e Energia, e o Ibama vem permeando as discussões sobre o avanço do Produto Interno Bruto (PIB), sobretudo depois do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo governo. O embate em torno do licenciamento das hidrelétricas do Rio Madeira, por exemplo, por pouco não coloca em risco os planos energéticos do país.

- Com a evolução da tecnologia, poderemos ter teores progressivamente mais rígidos. Esse teor de 29 mg/L já deve ser observado até pelas plataformas mais antigas, e qualquer ganho tecnológico hoje só vai se tornar realidade daqui a pelo menos cinco anos - avalia José Carlos Costa, chefe do gabinete do secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia.

Limite menor vale há 20 anos

Ultimamente, as plataformas brasileiras já vinham sendo licenciadas pelo Ibama para tratar a água de produção e jogá-la de volta ao mar com teores de óleo e graxa a 20 mg/L. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a P-50, a maior unidade de produção da Petrobras, que garantiu, no ano passado, a meta de auto-suficiência de petróleo no país. Essa plataforma fica no campo de Albacora Leste, na Bacia de Campos. O mesmo ocorreu com outras plataformas da Petrobras, como a P-40, instalada no campo de Caratinga, e a P-48, no campo de Marlim Sul, ambas na Bacia de Campos. A plataforma FPSO da Shell, no campo Bijupirá-Salema, também recebeu autorização do Ibama para descartar óleo e graxa a 20 mg/L. A licença foi dada em 2003.

- Esse nível é praticado no Brasil há 20 anos, e, ao longo de todo esse período, nenhuma empresa alegou, durante o processo de licenciamento ambiental, quaisquer problemas para se atingir essa meta - lembrou Carvalho, técnico do Ibama.

Os representantes do Ministério da Saúde que votaram contra a resolução do Conama explicam que a decisão foi baseada no fato de que "é preciso criar instrumentos de política pública com critérios técnicos e não econômicos". Eles disseram que não querem travar o desenvolvimento, mas que não podem "abrir mão do princípio da precaução, já que ainda não podemos dimensionar os impactos futuros sobre a saúde da população".