Título: 'Quantas pessoas mais morrerão até que governo interrompa experiências?
Autor: Freire, Flávio e Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 19/07/2007, O País, p. 3

Além de chuva, especialistas dos Estados Unidos vêem negligência do Estado.

WASHINGTON. Apesar de as aparências sugerirem que uma combinação da chuva com as condições da pista principal do Aeroporto de Congonhas seria a causa do acidente com o Airbus 320 da TAM, especialistas americanos em segurança de aviação especulavam ontem que outros dois fatores, no mínimo, teriam contribuído para a tragédia - e ambos estariam relacionados à displicência do governo. Um deles seria uma provável falha ou negligência de controladores de vôo na torre de controle do aeroporto. O outro seria a extensão da pista, que não é adequada para operações com grandes jatos, condição agravada pelo fato de ela estar muito próxima de edifícios e vias expressas.

- Quantas pessoas mais serão mortas antes que o governo brasileiro interrompa as experiências que a FAB (Força Aérea Brasileira) vem fazendo ao vivo com a segurança do público viajante? - perguntou, irritado, Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca, na sigla em inglês), sediada em Montreal, no Canadá.

Federação alertara para problema em Congonhas

No fim da tarde de ontem, a entidade emitiu um comunicado oficial, chamado "A comprometida segurança aérea no Brasil". Logo no primeiro parágrafo, o comunicado afirma que "recebemos a notícia do acidente com horror, mas não com total descrença". A nota ressaltava que, tanto na tragédia com o avião da Gol, em setembro do ano passado, quanto no acidente da terça-feira, "numerosos sinais de alerta, múltiplos riscos e relevantes informes de segurança foram ignorados".

- Continuar a ignorar padrões internacionais de administração do tráfego aéreo e do desenho de aeroportos só vai criar mais emergências e, possivelmente, mais acidentes - alertou Baumgartner.

Na nota assinada por ele, a Ifatca acusa o governo brasileiro de, ao mandar prender controladores de vôo e substituí-los por militares não qualificados para a função, estar "investindo muita energia na caça a bodes expiatórios, em vez de remodelar a necessária vigilância de segurança e avaliação de risco para evitar que a aviação civil brasileira mergulhe num caos mais profundo".

A possibilidade de falhas de controladores aéreos também deverá ser examinada pelos técnicos da National Transportation Safety Board (NTSB), a agência federal americana que receberá as duas caixas-pretas do jato da TAM para análise e determinação das causas do acidente. Um porta-voz da NTSB ouvido pelo GLOBO lembrou que o material registrado naqueles dois equipamentos - inclusive as falas dos pilotos - não deve ser confundido com as comunicações entre eles e os controladores de tráfego aéreo:

- Isso nós examinamos paralelamente, reconstruindo os serviços de tráfego aéreo dados ao avião. Isso inclui os dados de radar e transcrições das transmissões de rádio entre controladores e piloto - disse o funcionário da NTSB.

Outro especialista do ramo, Todd Curtis, fundador e diretor da AirSafe.com Foundation (ASF), sediada em Seattle, disse que ninguém deveria se precipitar em apontar uma causa principal, uma vez que "a realidade é que a maioria dos acidentes não tem uma única causa, mas muitas causas diretas e secundárias".

Embora advertisse que "no atual estágio das investigações ainda é cedo para dizer que papel a pista e as condições do tempo tiveram" no acidente, Curtis disse ao GLOBO que não há dúvida de que dois fatores "são óbvios". E acrescentou:

- Um deles é que a pista de Congonhas é mais curta que as da maioria dos aeroportos grandes. O outro é que vias expressas para automóveis, edifícios e pessoas estão muito mais próximos da pista do que na maioria dos grandes aeroportos.

A Federação Internacional das Associações de Pilotos de Linhas Aéreas também se manifestou, lembrando que especialistas em segurança de aviação internacional há muito tempo vêm alertando para o perigo de um grave acidente em Congonhas, "que não tem nenhum espaço para se construir uma extensão que já foi recomendada por grupos de segurança".

A entidade dos pilotos disse ainda que o acidente da TAM mostra a necessidade de, pelo menos, serem instalados sistemas de freio de cimento além do final da pista - onde as rodas dos aviões podem afundar e, assim, reduzir a velocidade dos jatos.