Título: Passageiros tiveram morte rápida
Autor: Freire, Flávio e Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 19/07/2007, O País, p. 3
Especialista que ajudou no resgate diz que trauma do impacto e inalação de gás são causas mais prováveis que o fogo.
PORTO ALEGRE e SÃO PAULO. Se traz algum alívio saber, os passageiros do vôo JJ 3054 sofreram uma morte rápida e menos dolorosa possível. A informação é do médico Douglas Ferrari, presidente da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva, que, com sua equipe, ajudou na tentativa de socorro às vítimas do acidente da TAM. Especialista em acidentes aéreos, Ferrari promove treinamentos em aeroportos e, na terça-feira à noite, trabalhou como voluntário ao lado dos bombeiros.
Há três possibilidades para a morte de quem estava dentro do avião, pela seguinte ordem, explica o médico: o trauma do impacto e da desaceleração, a intoxicação com os gases provocados pelo incêndio e, por último, e mais improvável, o fogo.
- Mesmo em um carro, a 60 quilômetros por hora, o choque já pode causar o coma. Imagine em um avião em desaceleração, que estava a 150, 200 quilômetros por hora. Isso já provoca o falecimento - afirma o médico, que continua - Para mim, isso causou a grande maioria das mortes dentro do avião.
Ferrari afirmou, no entanto, que os passageiros que não morreram no impacto devem ter, possivelmente, morrido com a intoxicação provocada pela fumaça. De acordo com ele, esse processo é considerado "rápido". Leva dois minutos. O mais doloroso, segundo o médico, é o de queimaduras. Mas, ainda de acordo com a opinião do médico e de seus colegas, que não são legistas, mas intensivistas (trabalham em UTIs), essa possibilidade é muito pequena.
As pessoas que estavam fora do avião sofreram mais diretamente o impacto da explosão e do incêndio.
- É como uma bomba.
Técnico pediu sopa à mãe
Marcelo Stelzer queria chegar mais cedo em casa. Na segunda-feira, o jantar não havia lhe caído bem. Então, na terça, acabou o trabalho mais cedo, correu para o aeroporto e conseguiu antecipar sua volta para São Paulo, inicialmente com saída de Porto Alegre prevista para 19h30m. Marcou a passagem para o vôo JJ 3054 e ligou para a mãe. Pediu uma sopa para o jantar.
- "Mãe, eu tô chegando mais cedo, faz uma sopa". A mãe fez a sopa. A sopa tá lá. A sopa cheia de lágrimas, né? - conta o tio de Marcelo, Vicente Carvalho, com o difícil trabalho de levar documentos médicos do sobrinho para tentar identificar o corpo retirado dos escombros.
Técnico em eletrônica de 39 anos, solteiro, Marcelo morava com os pais e parecia ter um cotidiano de trabalho: viajava quatro vezes na semana, grande parte de avião. Seguia bastante para o Sul, entre Porto Alegre e Caxias.
- Por azar, ele trocou o vôo. Era para sair de Porto Alegre às 19h30m, mas ele se liberou do trabalho mais cedo e, por azar, tinha vaga nesse bendito vôo. E ele trocou a passagem - lamentou, mostrando uma foto no passaporte do sobrinho.
Os pais ficaram tão chocados que tiveram de ser medicados e estão de cama.
Depois de acompanhar a mulher do deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), morto no acidente, na tentativa de identificação do corpo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse ontem no Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo que ninguém mais suporta "essa tensão" nos aeroportos brasileiros. Ele lembrou do acidente com o avião da Gol em Mato Grosso, matando os 154 passageiros, há dez meses.