Título: Duzentos mortos, várias hipóteses, nenhum culpado
Autor: Freire, Flávio e Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 19/07/2007, O País, p. 3

Imagens da pista feitas pela Infraero mostram que Airbus da TAM estaria em velocidade excessiva.

Foi o maior acidente da história da aviação no Brasil, e o maior do mundo nos últimos cinco anos. Vinte e quatro horas depois de o Airbus A-320 da TAM tentar pousar no Aeroporto de Congonhas, arremeter ao não conseguir frear, se chocar contra um prédio da empresa e explodir, ainda não se sabia exatamente, ontem à noite, quantas pessoas haviam morrido. Diversas hipóteses para o acidente foram levantadas por autoridades e especialistas, mas ninguém admite responsabilidades, apesar de ser a segunda grande tragédia no Brasil em dez meses. De concreto, o drama das mais de 200 famílias que choram seus mortos.

Até a noite de ontem, os bombeiros haviam resgatado 182 corpos. Desses, 166 foram retirados próximos aos destroços do avião. Oficialmente, o número de mortos chega a 189 - havia a bordo 186 pessoas, incluindo um bebê de colo. A TAM confirma ainda a morte de três funcionários que estavam no edifício atingido - foram resgatados, mas não resistiram aos ferimentos -, e o desaparecimento de cinco. O governador José Serra disse que outros nove corpos foram retirados do prédio. A certeza é que passariam de 200, mas não há número exato. Haveria também nove mortos, que passavam ou estavam no posto de gasolina ao lado do prédio da TAM. Parte da estrutura do posto foi atingida pelas explosões. Testemunhas dizem ainda que o avião teria atropelado pessoas na calçada, onde há um ponto de ônibus. Somente 12 dos corpos que chegaram ao IML haviam sido identificados. A maioria está carbonizada, o que dificulta o trabalho.

Para atender às vítimas, hospitais da região criaram esquema de emergência. Pelo menos 19 pessoas que estavam no terminal tiveram de ser socorridas. Três foram internadas em estado grave.

- Muita gente, quando viu que o barulho vinha da parte da frente, correu para os fundos, mas as paredes já estavam caindo, e muitos ficaram presos nas ferragens - contou Odilon Ribeiro, funcionário da TAM que estava no estacionamento do prédio na hora do acidente.

Ele contou que, mesmo feridos, muitos funcionários voltaram para ajudar os colegas que pediam socorro. Alguns pularam do segundo andar, e 27 casas foram interditadas.

Imagens da torre de controle de Congonhas sobre o trajeto do Airbus da TAM na pista de Congonhas mostram que o pouso foi feito no ponto ideal para uma parada segura. Porém, inexplicavelmente, em vez de perder velocidade, houve uma aceleração linear, a tal ponto que a aeronave atravessou em três segundos determinado trecho da pista, enquanto que numa situação normal levaria 11 segundos.

- É uma diferença brutal de velocidade - disse um técnico do governo que acompanha as investigações.

Isso, segundo essa fonte, aconteceu segundos antes de o avião arrebentar a mureta de concreto, atravessar a Avenida Washington Luís sem tocar no asfalto e explodir dentro do prédio da TAM Express.

Investigadores afirmam que é cedo para determinar causas

A última imagem mostra também que o piloto ligou o reversor na carga máxima, numa tentativa desesperada de parar o avião. Pela gravação, a pressão de ar do instrumento - que funciona como um freio aerodinâmico, mais potente do que um freio comum - para baixo era tanta que um spray de água da pista cobriu o avião, que ficou branco, como se houvesse espuma sobre os pneus. Segundo a fonte ouvida pelo GLOBO, a aceleração involuntária da aeronave pode ser um indicativo de falha técnica. Mas, para os investigadores, ainda é cedo para assegurar a principal causa do acidente.

- Ele (o piloto) pode ter tentando arremeter (decolar novamente), mas o motor não tinha potência suficiente para a subida. Por outro lado, não dava mais para parar o avião porque a velocidade era muito alta - disse o técnico.

Autoridades que analisam o acidente praticamente descartaram ontem a hipótese de a aeronave ter aquaplanado na pista antes de se projetar contra o prédio. Um resultado mais definitivo só deverá ser divulgado em 30 dias, segundo o chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), brigadeiro Kersul Filho. Para ele, a investigação deverá demorar pelo menos dez meses:

- É muito pouco provável que a causa tenha sido aquaplanagem. Mas não nos concentraremos em uma só possibilidade. Por isso, de certa forma, não descartamos completamente problemas na pista, como uma aquaplanagem.

As possibilidades de falhas mecânica ou humana foram consideradas após análise das imagens das câmaras da Infraero e de um relatório sobre a quantidade de água na pista, que não seria excessiva no momento do pouso do Airbus. Segundo a Infraero, só ocorre aquaplanagem quando há lâminas d"água com mais de três milímetros, o que não seria o caso.

- Não havia excesso de água na pista. Foi feita uma análise da quantidade de água na pista 20 minutos antes do acidente, e no momento do pouso a chuva era muito fina. O que constatamos é que o piloto estava em uma velocidade excessiva para o pouso. Mas pode não ter sido por erro, ou falha humana - disse uma fonte da Aeronáutica que atua no caso.

Outra fonte que participa das investigações disse ontem que duas vistorias preliminares feitas na pista, pela manhã, indicaram que o Airbus chegou a tocar o solo com o trem de pouso: o sinal de frenagem deixado pela aeronave, a pelo menos 300 metros do fim da pista - área considerada segura, segundo a Aeronáutica.

Mas não foram encontrados sulcos, que indicariam que a aeronave tenha sido arrastada durante eventual frenagem, um sinal de que o piloto não conseguiu frear o avião. As vistorias indicam ainda que o Airbus tocou a mureta de concreto no fim da pista antes de tentar arremeter e despencar 30 metros abaixo, na Avenida Washington Luís. O avião teria sobrevoado a avenida em baixíssima altitude por cerca de cem metros, num ângulo inclinado à esquerda, antes de se chocar com o prédio.

O chefe do Cenipa disse que é possível que o sistema de frenagem do avião tenha sofrido alguma avaria:

- Pode ter também estourado um pneu, parado um motor ou mesmo ter entrado em funcionamento apenas um dos reversos da aeronave. Ou acontecido algum problema com o piloto.

O superintendente de Engenharia da Infraero, Armando Schneider, também negou que o acidente se deva a uma derrapagem. Ele disse que se a pista não estivesse em condições, "o órgão não seria irresponsável de mantê-la operando".