Título: Corte manda prender líder
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2009, Mundo, p. 28

SUDÃO

Tribunal de Haia quer julgar o presidente Omar Al-Bashir por crimes como extermínio, tortura e estupro em Darfur. É a primeira ordem de captura emitida contra um governante em exercício

Pela primeira vez um chefe de Estado em exercício recebe uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI). O mandado foi emitido contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al-Bashir, por sua atuação na Guerra de Darfur, que desde 2003 já matou 300 mil pessoas. ¿A qualidade oficial de chefe de Estado não exonera Al-Bashir de sua responsabilidade penal e não lhe oferece nenhuma imunidade perante o tribunal¿, explicou ao Correio a assessora do TPI Laurence Blairon, de Haia (Holanda), sede da corte. Al-Bashir, por sua vez, disse que a instituição internacional ¿pode comer¿ a ordem de captura.

A recomendação de detenção do presidente foi feita em 14 de julho pelo promotor-chefe do tribunal, Luis Moreno Ocampo, e entre os juízes que emitiram a ordem está a brasileira Sylvia Steiner. Al-Bashir é acusado de cinco crimes contra a humanidade (assassinato, extermínio, deslocamento forçado da população, tortura e estupro) e dois de guerra (dirigiu os ataques contra as etnias de agricultores fur, massalit e zaghawa e promoveu saques). O governante sudanês utilizou as Forças Armadas e milícias paramilitares de origem árabe ¿ os janjaweed ¿ contra os rebeldes (leia o Para Saber Mais).

O desafio é a execução do mandado. O TPI não possui corpo policial nem exército. Conta apenas com a cooperação internacional. ¿Os Estados devem executar o mandado, principalmente o Sudão¿, disse Laurence. O Sudão não é membro do TPI, e o ministro da Justiça, Abdel Baset Sedrat, ressaltou que o país se recusa a entregar o presidente. ¿A ordem de detenção é uma decisão política. O TPI não tem competência nem poderes no Sudão. Al-Bashir continuará seus trabalhos habituais¿, afirmou Sedrat. O assessor da Presidência, Mustafa Ozman Ismail, garantiu que vizinhos como Líbia, Egito e Eritreia descumpririam a decisão do tribunal e que o país tem o apoio da União Africana e da Liga Árabe.

Depois de receber o mandado de prisão, o governo sudanês decidiu expulsar 10 organizações de assistência humanitária britânicas, francesas e norte-americanas de Darfur. Os Estados Unidos, apesar de não serem membros do TPI, apoiaram a sentença. ¿Os EUA acreditam que aqueles que cometeram atrocidades devem ser levados à Justiça¿, declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Robert Wood. Já o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu ao Sudão que garanta a segurança dos civis e funcionários da organização. O fato de a nação de origem do acusado não ser signatária do TPI não impede a condenação na corte.

Laurence disse que caberá à história julgar se um mandado contra um presidente criminoso constitui um grande passo para a jurisdição universal. Para o diretor-associado do Centro de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia (EUA), o sudanês Ali B. Ali-Dinar, ¿a questão é que tipo de ação está sendo tomada em Darfur desde 2005¿. Ele enfatiza que o governo sudanês teve quatro anos para mudar de comportamento perante sua própria população, e o tribunal levou um tempo considerável para julgar Al-Bashir. ¿Quatro anos se passaram e ainda estamos tentando levar a paz ao Sudão¿, afirmou ao Correio.

O Brasil assinou em 2000 o Estatuto de Roma, que regula o TPI, e o ratificou em 2002. Em 2007, quando a ONU reunia contingente para as forças de paz em Darfur, o Itamaraty declarou a preocupação do Brasil com o conflito no Sudão, mas priorizou a atuação no Haiti por causa da proximidade regional e da limitação de recursos. ¿Poderemos dar outro tipo de contribuição, no momento adequado, mas não estamos contemplando enviar tropas ao Sudão¿, disse o ministro Celso Amorim à época.