Título: Apertem os cintos: ninguém sabe quem manda
Autor: Jungblut, Cristiane e Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 19/07/2007, O País, p. 19
Sobram autoridades e siglas, mas faltam comando e gestão na aviação, dizem especialistas e parlamentares
Cristiane Jungblut e Geralda Doca
BRASÍLIA. A crise aérea agravada com o segundo grande acidente aéreo em dez meses reacendeu a polêmica sobre a falta de comando no setor da aviação civil. Parlamentares e especialistas afirmam que há uma crise de gestão e apontam o Ministério da Defesa como o elo mais fraco neste momento. O Ministério da Defesa foi criado em 1999 como forma de passar o comando para autoridades civis. Nessa estrutura, em vigor até hoje, o ministro da Defesa tem como subordinados os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas, na realidade, os militares nunca aceitaram a mudança, o que acaba provocando conflitos de poder e a ausência de um responsável único, e forte, para as ações do setor.
São vários órgãos técnicos e suas complicadas siglas espalhados entre a Aeronáutica e a Defesa, sem um comando geral. Para parlamentares, governistas ou de oposição, o ministro da Defesa, Waldir Pires, foi colocado de lado no processo. O Palácio do Planalto passou a tratar dos problemas do setor. Desde a greve dos controladores de vôo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa ação descoordenada, conversa diretamente com o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e, às vezes, com o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira.
Segundo técnicos da própria Defesa, esse é um ministério com problemas estruturais, feito para não funcionar. Teoricamente, a Defesa teria sob seu comando a Infraero e o Comando da Aeronáutica. Abaixo do Comando da Aeronáutica, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea); a própria Força Aérea Brasileira (FAB); e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa).
Há críticas ainda à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), criada em 2006 para substituir o Departamento de Aviação Civil (DAC), para ser a autoridade da aviação civil, com poder para regular e fiscalizar o setor. Conduzida por Milton Zuanazzi, a Anac é acusada de ter autorizado um número excessivo de concessões de rotas e de não ter conseguido obrigar as empresas aéreas a evitar atrasos e a garantir um tratamento adequado aos passageiros. Numa audiência recente no Congresso, ele chegou a dizer que não há crise no setor.
- Chegou ao fundo do poço a questão da gestão. Está na hora de o governo definir quem manda: o governo, a Anac ou as empresas aéreas. Há uma crise de comando - dizia ontem o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), integrante da CPI do Apagão Aéreo da Câmara.
Para Fruet, Lula precisa mostrar firmeza neste momento e, talvez, fazer mudanças em sua equipe no setor aéreo.
- A atitude do governo foi meramente disciplinar, ficou na superfície, na casca. Ficou achando que era só fazer aeroporto bonito. Hoje, viajar de avião é muito arriscado. A crise está aí. A Infraero só se preocupa com aeroshopping, e a Anac não controla direito o setor. É a situação extrema - acrescentou o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ).
Na mesma linha, o professor em Transporte Aéreo e dirigente do Instituto Cepta, Vladimir Silva, do Rio, afirma que a crise aérea foi agravada pela falta de comando do poder público. Segundo ele, os papéis das autoridades responsáveis pelo setor não estão claramente definidos. Há superposição e interseção de poderes.
- Há uma confusão muito grande. A Anac deveria ter autoridade, mas aparentemente não tem - disse o professor, acrescentando que o extinto DAC, substituído pela Agência, centralizava vários órgãos do setor. - Há uma fragmentação, com a Infraero administrando todos os aeroportos mais importantes do país; a Aeronáutica, com o controle do tráfego aéreo; e o Cenipa, cuidando da investigação e prevenção de acidentes. Tudo fragmentado.
O senador Renato Casagrande (PSB-ES), vice-presidente da CPI do Apagão do Senado, disse que, após 10 meses do acidente da Gol, não houve avanços na melhoria dos serviços da Infraero, que tem várias obras sob suspeita no Tribunal de Contas da União (TCU). Ele lembrou que os controladores continuam com problemas, e que a Anac está autorizando trechos para empresas mesmo com aeroportos sobrecarregados. Para ele, falta prestígio político para a Defesa.
- Há uma dose de incompetência e de desarticulação muito grande. O comando deveria ser do Ministério da Defesa, mas não comanda nada porque está fraco politicamente. Independentemente de quem esteja lá, as Forças Armadas têm uma autonomia muito grande - disse Casagrande, que é da base governista. - O presidente já cobrou resultados há dez meses, e até agora nada. Imagino que ele tem que estar nervoso mesmo e cobrar, bater na mesa.
"O ministro não existe. Os comandantes não o respeitam"
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o ministro da Defesa "está de escanteio". E segundo o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), Waldir Pires não tem condições de comandar os demais órgãos.
- O ministro não existe. Os comandantes nem o respeitam. Até agora, nenhuma providência concreta fora do palavrório foi tomada. Isso não é normal. É falta de gerência.
No caso dos controladores, por exemplo, Waldir Pires tentou resolver a crise sem consultar a Aeronáutica, a quem eles são subordinados. Apesar do mal-estar, Pires trabalhava no projeto para fortalecer a pasta e desmilitarizar o controle da aviação civil. Com o motim do dia 30 de março, foi afastado do processo. O comandante Saito então puniu com afastamento e prisão os profissionais envolvidos. Mas os problemas persistem.
- O problema é falta de gerenciamento. A eficiência do poder público é tão importante quanto à eficiência das empresas - disse o assessor em segurança de vôo e política internacional do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Célio Eugênio.
Para se ter uma idéia da falta de comando, em reunião preparatória para discutir a pauta do próximo encontro do Conselho de Aviação Civil (Conac), formado por vários ministérios, na última segunda-feira, os participantes levaram horas para decidir se a Anac deve ou não participar do órgão. A agência quer participar, mas não há decisão ainda. Parlamentares e autoridades que compareceram às CPIs do Apagão Aéreo do Senado e da Câmara criticaram a falta de reuniões do órgão, que não se reunia desde 2003, e só voltou a fazê-lo em junho. E se reúne novamente amanhã.
COLABOROU Isabel Braga