Título: Senador surpreendia aliados e adversários
Autor: Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 21/07/2007, O País, p. 20

Sedução sempre foi arma de ACM, o político que usou a "baianidade" para se aproximar do povo e de personalidades.

Em meio século de convívio com o poder, Antonio Carlos Magalhães colecionou histórias que deixaram amigos perplexos e adversários confusos. Forjaram o mito, alimentado por ele mesmo e - em grande medida - pelos opositores.

Foi assim quando Antonio Carlos, então deputado federal, a pedido do general Castello Branco, primeiro presidente do regime militar, em 1964, deu ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, seu amigo, a notícia de que ele teria cassados seus direitos políticos. JK reagiu à informação xingando o general, e Antonio Carlos o repreendeu. Como os telefones do ex-presidente estavam grampeados, Castello pôde agradecer a ACM por tê-lo defendido numa situação difícil.

Outra dessas histórias, por exemplo, foi o tapa que ele deu na cara de um general, durante a ditadura. Chefe da 6ª Região Militar, que incluía a Bahia, o general João Costa tinha um histórico de desentendimentos e péssimas relações com ACM. Certa vez, tentou aumentar o número de cadeiras do Tribunal de Contas de Salvador e encontrou em Antonio Carlos, então prefeito da cidade, um opositor ruidoso. Costa chamou o prefeito e reclamou do fato de ele ter "pretendido criticar ou orientar as Forças Armadas". Não adiantou. Em setembro de 1965, num elevador, na presença do governador baiano Lomanto Jr, o general recebeu um tapa que, segundo relatos, quase o deixou sem o quepe.

Sob a camisa, santos protetores

Em outro episódio, de 1979, abrigou em Salvador o congresso da UNE, entidade ilegal desde 1964, contrariando a orientação e a vontade do governo militar que já agonizava. Era o prefeito da cidade. "Tomei compromisso com os estudantes de fazer lá, desde que não deixassem a cidade perturbada. Ficaram no Centro de Convenções. E eu dava hospedagem, em locais diferentes, com ônibus. Foi o maior ato de coragem que tive. O governo não queria", contou, em depoimento à época dos 40 anos do golpe de 1964.

Mais tarde, no período da redemocratização do país, em 1984, quando Tancredo Neves estava em campanha para a última eleição indireta, que disputou contra Paulo Maluf, Antonio Carlos se viu encurralado por um mar de bandeiras vermelhas em Goiânia, num comício organizado por Íris Rezende, que era governador. Ele aderira a Tancredo, como dissidente do PDS, e deveria fazer um discurso. Para o público ali, ACM era um legítimo representante do governo que todos queriam derrubar. Antonio Carlos, no mesmo depoimento, admitiu que não sabia o que dizer ao microfone. E apelou: "O que é que Maluf é?", perguntou ao povo. "Ladrão!!! Ladrão!!!", gritou a multidão. Antonio Carlos seduzira a platéia.

A sedução foi sempre uma arma de Antonio Carlos. Exercia-a não só com os poderosos, mas sobretudo com o povo baiano, com quem guardou sempre profunda empatia, inclusive na esfera da religiosidade. Sob as gravatas importadas, freqüentemente Chanel e Ermenegildo Zegna, e camisas finas, escondia uma corrente de ouro carregada de medalhas de santos protetores.

A baianidade também serviu para atrair, por exemplo, o apoio de personalidades como Gal Costa e Zélia Gattai quando renunciou para não ser cassado no episódio da violação do painel de votações do Senado, em maio de 2001. A possibilidade de ver o senador perder o mandato levou a Brasília a cozinheira Aldaci Dadá dos Santos, a Dadá, uma das milhares de beneficiárias da revitalização do Pelourinho, obra-símbolo da gestão de ACM. Ela foi à sessão da Comissão de Ética do Senado que ouviu a defesa do benfeitor. Vestida de longo e com um turbante à cabeça, rezava, com lágrimas na face.

Essa mesma baianidade mandou ACM ao aniversário de 90 anos de dona Canô, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, e ainda ao casamento da popularíssima dançarina Carla Perez e do cantor de axé Xanddy.

Até dezembro passado, ACM era figura certa na festa da lavagem da Igreja do Bonfim. A derrota do carlismo para o governador Jaques Wagner, porém, deixou-o fora da comemoração.

Outra característica marcante do senador foi a impetuosidade. Foi ela que o fez quase desferir um soco no senador Pedro Simon (PMDB-RS), em 1996, e a completar o gesto em relação ao senador Ney Suassuna, no mesmo ano. Ou ainda a chamar de bêbado o ex-governador Marcelo Alencar - Antonio Carlos não bebe uma única gota de álcool - e de pivete o então deputado estadual Sérgio Cabral Filho. Também quis "sair no braço" com o senador Almeida Lima (SE) em plena sessão do Senado.

Em passeata do Congresso ao Palácio do Planalto, em janeiro de 1995, foi seguido pela bancada baiana para protestar contra a intervenção do Banco Econômico pela equipe econômica do governo Fernando Henrique. Apesar da prepotência do gesto, não foi atendido. O então presidente não gostou de vê-lo posar como dono do governo. A demonstração de força só serviu para enfraquecê-lo.

Guiado pela opinião pública

Com Fernando Henrique, foram várias as idas e vindas. Mas sempre guardou com carinho o gesto do ex-presidente de interromper uma viagem de Estado ao exterior para abraçá-lo no enterro do filho Luís Eduardo. Tornou-se seu aliado incondicional na reeleição, em 1998. Em 2002, quando o presidente tentou passar ao eleitorado o medo da crise, ACM espalhou que Lula seria o caos para o país - e livrou o amigo da acusação de ser agressivo com a oposição na campanha.

O senador sempre agiu movido pela bússola da opinião pública. Em 1999, decidiu brigar pelo salário mínimo de US$100. À época do mensalão e da CPI dos Bingos, foi incansável: subia à tribuna repetidamente para discursos agressivos contra o presidente Lula.

No início desta legislatura, adotou a antecipação da maioridade penal como maior bandeira e comemorou a aprovação da medida na Comissão de Constituição e Justiça.

Em março, a saúde começou a dar sinais de fraqueza. Foi internado no Incor e, lá, recebeu uma inesperada visita de Lula. Assim que voltou a Brasília, soube retribuir o gesto com um pronunciamento para agradecer ao presidente.

De volta ao hospital, em junho, esteve com Fernando Henrique e com José Serra - e sonhou com os dois, conforme contou ao governador. Do leito, manteve-se informado de todos os passos do caso Renan Calheiros e até tentou ajudar o colega. Nunca deixou a política.