Título: Real forte dá impulso à arrecadação recorde
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 23/07/2007, Economia, p. 21

Estudo mostra que recolhimento de impostos ligados à importação sobe até 21,4% no ano, o dobro da média.

BRASÍLIA. A excessiva valorização do real em relação ao dólar contribuiu significativamente para a arrecadação tributária da União recorde de 2007 - que retirou da sociedade R$1,560 bilhão por dia entre janeiro e junho. Um estudo do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco) mostra que o Imposto sobre Importação registrou aumento real de 17,45% nos seis primeiros meses deste ano sobre o mesmo período de 2006. Já o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), vinculado às importações, teve alta de 21,40% no mesmo período. Os aumentos ficaram bem acima do crescimento da arrecadação em geral, que foi de 10,02%.

A Unafisco está preocupada. É que as importações de bens de consumo - duráveis e não-duráveis - estão mais aquecidas do que a de máquinas e equipamentos, o que seria um indicador importante de fortalecimento da indústria nacional. As importações de bens de consumo não-duráveis, segundo o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, já cresceram 40,8% este ano.

No caso dos bens de consumo duráveis, a alta este ano está em 31,6%. Também houve aumento nas compras de bens de capital, mas ele foi voltado para partes e peças de equipamentos (95,2%).

- As importações de partes e peças mostram que as compras estão sendo feitas para a manutenção de equipamentos e não necessariamente para novos investimentos das empresas - afirma Castro.

O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira, alerta que o Brasil já tem hoje um nível baixo de industrialização, que pode ainda piorar devido o câmbio. Segundo ele, a indústria de transformação corresponde hoje a apenas 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) no Brasil, sendo que a renda per capita é de US$8 mil. Na China, onde a renda per capita é de US$5 mil, a indústria de transformação responde por 40% do PIB.

Nos países desenvolvidos, onde a população tem renda elevada e infra-estrutura consolidada, diz Pereira, é natural que o nível de industrialização seja baixo. Nos Estados Unidos, onde a renda per capita é de US$30 mil, esse percentual é de 16% do PIB.

- Em países em desenvolvimento é diferente. O Brasil tem hoje metade da renda per capita necessária para seu nível de industrialização - comenta o economista-chefe.

CNI: câmbio expõe peso de impostos e custo trabalhista

Para o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Mário Sérgio Carraro, a valorização do real em relação ao dólar está expondo fragilidades da indústria nacional. Quando o real estava mais fraco, os produtos brasileiros estavam mais competitivos, o que mascarava o peso da carga tributária e do custo trabalhista.

- Agora, a situação é diferente. Os produtos não podem contar tanto com o câmbio para ficarem mais competitivos - disse Carraro.

Os setores que mais estão sofrendo são o calçadista e o têxtil. Apesar de o BNDES já ter liberado R$4 bilhões para ajudar setores afetados, Carraro acha que ainda é pouco. Ele defende a desoneração tributária. O governo já permitiu que os setores de calçados, têxteis, móveis, eletroeletrônicos e automóveis compensem os créditos de PIS/Cofins obtidos na compra de bens de capital. Essa apropriação leva hoje 24 meses.

O estudo do Unafisco, porém, faz um alerta em relação às medidas de desoneração feitas pelo governo por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apesar da redução de PIS e Cofins para os segmentos de infra-estrutura, o governo, defende o Unafisco, precisa cuidar para que não haja redução de receitas à seguridade social, uma vez que esses tributos são destinados a essa área.

- Em comparação a 2006, a arrecadação do PIS/Cofins está crescendo 5,22% e 6,85%, respectivamente. Mas isso ocorre num percentual abaixo da média - alerta a diretora de Estudos Técnicos do Unafisco, Clair Hickmann.

Peso de salário e consumo é de 63%, contra 25% de capital

A política de desoneração é importante, defende Hickmann, mas a estrutura tributária precisa ser revista, já que o peso dos impostos sobre o consumo é muito maior do que o existente sobre a renda.

O trabalho mostra ainda que os tributos que incidem sobre o consumo e sobre os salários dos trabalhadores responderam por 63,58% da arrecadação entre janeiro e maio de 2007. Já os que incidem sobre a renda do capital (inclui bancos) respondeu por 25,31% da carga do período.