Título: Soma de problemas pode explicar tragédia
Autor: Beck, Martha e Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 22/07/2007, O País, p. 3

Condições da pista, chuva, falha mecânica, excesso de peso e velocidade do avião são aspectos sob investigação.

SÃO PAULO. As autoridades aeronáuticas esperam receber, na terça-feira, o resultado da análise das caixas-pretas do vôo JJ 3054, abertas neste fim de semana pelo National Transportation Safety Board (NTSB), de Washington. Os resultados devem jogar luz sobre alguns dos cinco pontos nebulosos do acidente que destruiu o Airbus A-320 da TAM, em Congonhas.

As condições da pista, recapeada recentemente e que estava muito lisa e sem ranhuras (grooving); a chuva no momento do acidente (foi feita uma inspeção pouco antes, após o relato de 13 pilotos de que ela estava escorregadia); o reverso direito travado do avião; o peso (o Airbus estava com 187 pessoas a bordo, quando o manual permite 185, no máximo); e a velocidade excessiva são questões que, seis dias após o acidente, permanecem sem esclarecimentos.

A entrega da pista principal do Aeroporto de Congonhas sem a colocação do grooving (as ranhuras que facilitam o escoamento da água e ajudam a reduzir a velocidade das aeronaves na aterrissagem) é um dos pontos questionados e que pode ter contribuído para o acidente. A Infraero já anunciou que deverá antecipar o início da colocação do grooving para este fim de semana, durante as madrugadas. Esse trabalho consiste em escavar sulcos transversais na pista.

A estatal alega que essas ranhuras ainda não foram feitas porque é preciso esperar a cura do asfalto, que demora de 30 a 45 dias. A Infraero diz também que o grooving ajuda, mas não é essencial para a segurança das operações de pouso. Já pilotos e especialistas defendem as ranhuras na pista e criticam a decisão dos engenheiros da Infraero de liberarem a pista antes da execução do serviço de ranhuras. Segundo eles, o grooving é fundamental para Congonhas, já que o aeroporto está localizado numa região densamente povoada e a pista é extremamente curta (1.939 metros).

Uma dúvida que não sai da cabeça de pilotos e especialistas diz respeito à decisão da Infraero e da Aeronáutica de não fechar a pista, após o acidente envolvendo o avião turbo-hélice da empresa Pantanal, na véspera do acidente com o Airbus. Depois de a aeronave da Pantanal escorregar na pista e interromper as operações no aeroporto, mais dez pilotos avisaram à torre, no dia seguinte, que a pista estava escorregadia.

Pista chegou a ser fechada

No dia do acidente com o Airbus da TAM, o Serviço Regional de Proteção ao Vôo (SRPV) recebeu um informe do vôo 1697 da Gol, reclamando da pista escorregadia, às 17h04m, menos de duas horas antes da tragédia. A torre suspendeu as operações no aeroporto e pediu uma avaliação da pista à Infraero. Às 17h20m, a estatal retornou e informou que a pista encontrava-se em condições de operação segura. Às 17h30m, os pousos e decolagens foram retomados. Entre esse horário e às 18h50m, hora do acidente, foram realizados 40 pousos e decolagens.

Outro fator intrigante foi a velocidade do A-320 ao cruzar a pista de Congonhas. Imagens gravadas pelas câmeras de segurança da Infraero comparam um pouso bem-sucedido de avião com o do vôo do Airbus da TAM. Ainda exibem um clarão vindo do avião, no momento do acidente. Considerando o ângulo de filmagem da câmera, o normal seria que o avião permanecesse enquadrado por onze segundos. Mas o da TAM ficou apenas três segundos.

Essas imagens indicam que as investigações devem se concentrar no sistema de freios hidráulicos do avião. No Airbus, os freios são acionados eletronicamente, por um sistema chamado autobrake. Funciona assim: o avião toca no chão e o equipamento é acionado instantaneamente - como se fosse um interruptor, que funciona por compressão no trem de pouso quando a aeronave toca no solo.

O peso da aeronave no momento do acidente (de 62,7 toneladas, segundo a TAM) é considerado um dos possíveis fatores que teriam contribuído para o acidente. Embora estivesse abaixo do limite de 64,5 toneladas recomendado pelo fabricante do Airbus, o peso pode ter contribuído para o acidente - se esse fator for combinado a outros itens como a pista molhada, o asfalto com menos de um mês de maturação, a falta de áreas de escape na pista e o bloqueio de um dos reversos do avião. Segundo especialistas e pilotos ouvidos pelo GLOBO, mesmo dentro dos parâmetros recomendados, o fator peso deve ser reconsiderado, de acordo com as demais condições de segurança.

- Os aviões têm sempre que se adaptar às condições da pista e do clima. Quando consideramos que a pista de Congonhas tem precariedades, que estava chovendo e que havia uma trava no reverso direito, que compõe o sistema aerodinâmico de freios, avaliamos que, se o avião não estivesse quase em seu limite máximo de peso, o acidente talvez pudesse ter sido evitado ou tido menores proporções - disse um piloto que opera em Congonhas há dez anos e que pediu anonimato.

Um dos poucos dados concretos até agora é a desativação do reverso direito (equipamento que inverte o fluxo de ar da turbina, ajudando a frear a aeronave). A TAM alega que o procedimento é normal e está previsto nos manuais de fabricante e autorizado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No entanto, especialistas afirmam que, se o piloto tivesse contado com os dois reversos funcionando, teria mais um recurso para frear.

Apesar da insistência da TAM em afirmar que o reverso não era necessário, a própria Anac, em instrução divulgada em janeiro deste ano, orienta os pilotos a usar o máximo dos reversos no pouso em pista molhada.

- Se (o acidente) aconteceu, é porque ocorreram falhas. Talvez não uma, mas várias. Talvez, uma composição de pequenos erros - disse quinta-feira o chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), brigadeiro Jorge Kersul Filho.

* Enviado especial