Título: Lixo sem destino
Autor: França, Mirelle de
Fonte: O Globo, 22/07/2007, Economia, p. 25

País prepara lei sobre descarte de eletrônicos, com regras para fabricantes, lojas e usuários.

Mais de 40 milhões de computadores e quase 107 milhões de celulares. O que, à primeira vista, parece um sinal de pujança da economia brasileira, em muito pouco tempo poderá se transformar em catástrofe ambiental. Apesar da explosão de venda de artigos de alta tecnologia nos últimos anos, o país continua sem uma política ou legislação específica sobre o descarte seguro desses equipamentos e dos demais produtos eletroeletrônicos. Com elementos tóxicos em sua composição, como mercúrio e chumbo, a maior parte desses resíduos é hoje eliminada sem nenhuma supervisão.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), no entanto, até o fim do ano será encaminhado ao Congresso um projeto de lei propondo a implementação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Entre as principais medidas, que ainda estão sendo elaboradas, está a responsabilização de produtores, revendedores e até mesmo consumidores sobre o lixo eletrônico, a exemplo do que acontece na Europa e nos Estados Unidos. Penalidades e multas não estão descartadas, e a forma de fiscalização ainda será definida

- O consumo desses equipamentos aumentou, e eles são cada vez mais descartáveis. Essa evolução tecnológica impõe a necessidade de uma regulamentação. O projeto deverá estabelecer responsabilização do poder público, da indústria e do usuário sobre o descarte seguro desses produtos - explica o secretário de Recursos Hídricos e Meio Ambiente Urbano do MMA, Luciano Zica.

Rio estuda criar legislação própria

O projeto - que envolve também a Casa Civil e os ministérios das Cidades e da Saúde - deverá ser semelhante à proposta apresentada no ano passado por Zica, então deputado federal (PT-SP), na Câmara. Nele, consumidores eram obrigados a devolver equipamentos usados (entre eles eletrônicos) para produtores e comerciantes. Esses, por sua vez, passariam a ser responsáveis pelo destino final dos equipamentos. O não-cumprimento das regras estaria sujeito a sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais. A idéia de criar uma política nacional sobre o tema, no entanto, já tramita no Congresso há mais de 15 anos.

Estados e municípios têm liberdade para criar suas próprias leis sobre lixo tecnológico. O Rio, a exemplo do Paraná e de São Paulo, deverá ter, em breve, sua legislação. Segundo o secretário de Meio Ambiente fluminense, Carlos Minc, até o fim do mês será submetido ao governador Sérgio Cabral um decreto estabelecendo regras para a destinação de produtos eletroeletrônicos. O documento será baseado no projeto de lei elaborado pelo próprio Minc em 2004, na época deputado estadual:

- Importadores, fabricantes e revendedores terão responsabilidades sobre o destino final dos eletroeletrônicos. Poderá ser estabelecida, ainda, a criação de postos de coletas, a orientação ao consumidor e convênios com cooperativas.

Em seu projeto, o atual secretário afirma que "o crescimento do e-lixo é particularmente perturbador", pois contém muitos agentes cancerígenos, como o carbono negro, encontrado no toner de impressoras, e o berílio, usado na fabricação da placa-mãe de computadores.

- Cerca de 70% do lixo eletrônico do mundo ainda estão nas casas das pessoas. A maioria não joga fora celulares, baterias, computadores e pilhas. E o Brasil está na esteira do mundo. A tendência mundial é a reciclagem desses produtos - afirma o pesquisador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig)/Coppe, Sérgio Guerreiro.

Com o objetivo de promover a inclusão social em comunidades de baixa renda, por meio do acesso à tecnologia, o Comitê de Democratização da Informática (CDI) acabou ganhando uma função inesperada: ajudar a adiar o problema do lixo tecnológico. A ONG, que atua em 19 estados brasileiros, recebe anualmente cerca de 4,5 mil equipamentos (CPUs, impressoras, monitores e periféricos). As doações vão desde grandes empresas, como Esso, Vale do Rio Doce e Unimed, até o consumidor comum. Cerca de 70% das máquinas que chegam são reaproveitadas nos programas da organização, que já formaram 62 mil alunos em disciplinas ligadas à informática.

No depósito do CDI que funciona em um shopping no subúrbio do Rio, o que não é aproveitado é enviado para recicladores especializados. Apenas no Rio, as doações chegam a dois mil equipamentos por ano.

- São 11 milhões de computadores entrando no mercado brasileiro a cada ano. Mas não temos legislação a respeito desse lixo nem conscientização da população - lembra Celso Fernandes, coordenador do CDI-RJ, ao destacar que os fabricantes deveriam investir na recuperação das máquinas.

O Brasil produz 170 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Segundo o secretário-geral da entidade, Walter Capello Jr., no entanto, não é possível calcular qual parcela é lixo eletrônico. De acordo com o executivo, a falta de legislação - com exceção do destino de pilhas e baterias esgotadas - faz com que resíduos eletroeletrônicos acabem no lixo comum:

- Ninguém sabe bem o que fazer nem mesmo com as pilhas, que vão parar, muitas vezes, em lixões.

Operadoras recolhem baterias

A resolução 257 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determina que fabricantes e importadores são responsáveis pela coleta, classificação, transporte e destino final de celulares e baterias, por exemplo. Os usuários devem entregá-los aos estabelecimentos onde foram comprados ou à rede de assistência técnica autorizada, para que sejam repassados aos fabricantes ou importadores. Todas as operadoras móveis têm políticas de recolhimento. As lojas próprias da TIM e de alguns parceiros da marca têm caixas de coleta. O mesmo acontece com a Oi. A Vivo informou que a coleta é realizada em todas as lojas próprias e que mais de 30 mil baterias já foram recolhidas no período de janeiro a junho deste ano. Em 2006, foram mais de cem mil coletadas e redirecionadas aos fabricantes.

ONU QUER FREAR CRESCIMENTO DO LIXO ELETRÔNICO, na página 26