Título: A parceria com a União Européia
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 24/07/2007, Opinião, p. 7

A percepção externa cada vez mais positiva sobre o Brasil, em larga medida, pode ser explicada pelo peso da nossa economia e pela crescente projeção do país no cenário internacional. Essa projeção externa abre perspectivas de o Brasil poder se movimentar em novos cenários internacionais nos próximos anos. Refiro-me à futura participação nas discussões do G-8 em seu formato ampliado G-8+5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México), à aproximação do status de investment grade, ao convite para entrar na OCDE, e à decisão da União Européia (UE) de, por iniciativa própria, escolher o Brasil como aliado estratégico na América do Sul.

Vou hoje me limitar a comentar a nova atitude da UE em relação ao Brasil.

Em 2006, a Comissão Européia, órgão diretor da UE, aprovou documento que contém a proposta de uma nova estratégia com a América Latina, colocando o Brasil em posição especial.

Essa decisão foi confirmada na Reunião de Cúpula UE-Brasil, realizada em Lisboa, no dia 4 de julho. Ao considerar o Brasil como aliado estratégico, a UE decidiu elevar de patamar o diálogo político, colocando-o no mesmo nível de EUA, Japão, Canadá, Rússia, Índia e China.

Visto de uma perspectiva mais ampla, quais as razões que teriam levado as autoridades de Bruxelas a diferenciar o Brasil no contexto sul-americano e do Mercosul?

Em primeiro lugar, o interesse da UE em relançar as relações com a região, até agora relegada a uma posição de baixa prioridade. Talvez tenha também pesado na decisão a crescente complexidade do cenário político e econômico na América do Sul e no Mercosul e a percepção de que o Brasil pode atuar como um porta-voz e como um fator estabilizador e moderador na região.

Em segundo lugar, a UE parece estimular a liderança do Brasil, como motor da integração regional, para avançar propostas concretas nessa direção, no tocante ao combate à pobreza, desigualdade e exclusão social, marco regulatório, entre outras.

Em terceiro lugar, a UE estaria indicando seu interesse em ampliar o diálogo político e tornar mais efetiva a cooperação no cenário internacional em temas globais como segurança internacional, energia, transportes, ciência e tecnologia.

Do ponto de vista do Brasil, as conseqüências da condição de parceiro estratégico parecem claras. Mesmo que uma situação vantajosa como essa não seja aproveitada, em decorrência do equívoco de atribuir, na política externa e comercial, alta prioridade às relações Sul-Sul e baixa relevância ao mundo desenvolvido, dentro de uma perspectiva de médio e longo prazos, estão lançadas as bases para um relacionamento mais estreito com um dos mais importantes parceiros políticos, econômicos e comerciais do Brasil.

Com esse salto qualitativo, as relações bilaterais tenderão a se estreitar, colocando o Brasil como o principal interlocutor da UE na América do Sul. Os vínculos empresariais tenderão a se ampliar, propiciando um maior contato entre empresas de ambos os lados.

Resta saber como reagirão nossos vizinhos e parceiros do Mercosul, sempre tão ciosos em aproveitar os espaços abertos pelo peso específico do Brasil, mas também sempre tão relutantes em reconhecer a importância do Brasil na região e em aceitar o aprofundamento do processo de integração regional.

As negociações comerciais estão excluídas desse diálogo, visto que o fórum onde elas ocorrem não é bilateral, mas sim regional no contexto do Mercosul. O novo formato do diálogo do Brasil com a UE deverá certamente facilitar o entendimento comercial com o Mercosul e tranqüilizar nossos vizinhos, sobretudo a Argentina, que viram na decisão européia uma tentativa do Brasil de afastar o Mercosul das conversações com a UE para abrir negociações bilaterais.

Cabe ao Brasil assumir suas responsabilidades nessa nova fase que apenas se inicia e aprofundar o processo de diferenciação em relação a nossos vizinhos.

O importante é aproveitar essa oportunidade aberta pela UE para uma ainda maior projeção externa do país. Temos de passar a considerar mais seriamente nossos interesses, nem sempre adequadamente defendidos quando procuramos justificar atitudes injustificáveis contra interesses concretos ou se procura retoricamente fazer gestos generosos e solidários, nem sempre correspondidos pelos nossos vizinhos sul-americanos e parceiros de outras regiões.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).