Título: Frei Betto critica 'necrocombustíveis'
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 24/07/2007, Economia, p. 24

Segundo amigo de Lula, programa brasileiro de etanol é predador de vidas.

BRASÍLIA e LA PAZ. Depois dos ataques feitos por líderes internacionais, como os presidentes de Cuba, Fidel Castro, da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, o programa de biocombustíveis do governo começa a ser criticado no Brasil pelos próprios aliados. Num artigo intitulado "Necrocombustíveis", Frei Betto, ex-assessor especial da Presidência da República e amigo do presidente Lula, fez um ataque à bandeira de produzir combustíveis renováveis, como o etanol. Ele diz que concorda com Fidel, quando diz que o ciclo encarece os preços dos alimentos. O artigo, cujo título tem uma referência direta à morte (necro), era divulgado ontem na página do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que fica no site da Presidência da República. "Vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. Há 800 milhões de veículos automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem intocáveis", afirmou o dominicano e escritor.

Em outro trecho do artigo, ele é ainda mais contundente na crítica: "Com a expansão das áreas de cultivo voltadas à produção de etanol, corre-se o risco de ele se transformar, de fato, em necrocombustível - predador de vidas".

Segundo Frei Betto, a expansão dessa lavoura no Sudeste empurrará a produção de soja para a Amazônia, provocando desmatamento. Ele também lembrou que a produção de cana no Brasil é historicamente conhecida por superexploração do trabalho, destruição ambiental e apropriação indevida de recursos públicos. E ironiza a parceria de Lula com o presidente dos EUA, George W. Bush: "O entusiasmo de Bush e Lula pelo etanol faz com que usineiros alagoanos e paulistas disputem, palmo a palmo, cada pedaço de terra do Triângulo Mineiro".

Ele conclui o artigo com um recado ao governo brasileiro: "Antes de transformar o país num imenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizar fontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os heróicos usineiros."

No Palácio do Planalto, o artigo foi ignorado. Um ministro ressaltou que Frei Betto não integra mais o governo e que tem todo o direito de ter opinião igual à de Fidel, Chávez e da indústria petrolífera. Outro ministro foi irônico: disse que não costumava ler artigos de especialistas no assunto.

A assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) informou que o artigo foi distribuído pela Agência de Notícias da América Latina e Caribe. Segundo o Consea, é tradição divulgar todas as tendências sobre o tema.

A polêmica se mantém na Bolívia. Ontem, um dia após Morales ter afirmado que há "escassez de alimentos" em seu país porque trigo, açúcar e arroz estão sendo desviados para a produção de biocombustíveis no Brasil, o ministro do Planejamento, Gabriel Loza, disse que o setor "nunca foi auto-suficiente" e o país é vulnerável nessa área.

(*) Com agências internacionais