Título: A cidade como sala de aula
Autor: Pimentel, Fernando
Fonte: O Globo, 25/07/2007, Opinião, p. 7

O Brasil vive um momento muito especial. A estabilidade monetária, o crescimento econômico, a redução da pobreza e da desigualdade social são conquistas inequívocas, que se revestem de ainda maior importância por terem sido alcançadas em ambiente de absoluta normalidade democrática. São sinais animadores, porém, insuficientes para nos colocar no patamar do que se denomina uma "nação desenvolvida", ao qual só se chega com investimento em educação.

Promover uma educação de qualidade deve ser o objetivo de qualquer governo, seja municipal, estadual ou federal. Mas é ilusão deixar essa tarefa apenas com poder público e educadores. O desafio terá que ser vencido coletivamente, por toda a sociedade. E, hoje, o principal obstáculo a ser enfrentado é a distância entre quantidade e qualidade do ensino oferecido a nossos alunos.

A maioria absoluta das crianças brasileiras já tem acesso à escola, mesmo nas regiões mais pobres. Nos grandes centros, a rede municipal progressivamente atende a todas as crianças de até cinco anos de idade, e há muito já existem vagas suficientes para todos no ensino fundamental. Falta agora garantir a permanência na escola, transformando-a em local atrativo, que ofereça ensino de qualidade e também prepare o aluno para as demandas do mundo moderno.

A escola tem que acompanhar o ritmo da sociedade. Puxado pela tecnologia, o mundo passa por uma revolução cotidiana, com reflexos no fluxo de informações e no tipo de conhecimento adquirido. São mudanças que exigem ampla readequação de conteúdos, práticas e metodologias de ensino. Além de sintonizados com as novas tecnologias, escolas, professores e alunos devem estar conectados com a construção de novos valores de sociabilidade e ética.

Esse desafio exige que passemos a encarar a educação de qualidade como responsabilidade de todos, não só dos governos. Pais, igrejas, universidades, empresas e ONGs podem e devem ser parceiros desse esforço, sem o qual nosso salto para o grupo de nações desenvolvidas pode ficar pela metade. Em outras palavras: precisamos de ação imediata e conjunta.

O modelo de escola integrada, já adotado de forma pioneira e arrojada em 33 unidades do sistema educacional de Belo Horizonte, é uma proposta efetiva nessa direção. Não se trata apenas de manter alunos o dia inteiro em sala de aula. Nem de construir prédios grandes e caros e duplicar a folha de pessoal - modelo já tentado em outras cidades e incompatível com os orçamentos públicos vigentes. Educação de qualidade depende basicamente da formação e da motivação do material humano envolvido no processo de ensino.

A experiência da capital mineira se desenvolve através de uma rede de "arranjos educativos locais", em que todos os parceiros têm responsabilidades, tarefas claras e o objetivo comum de construir esse novo modelo de ensino. Fora do turno escolar e em espaços cedidos pela comunidade, o aluno tem atividades paradidáticas monitoradas por estudantes universitários, devidamente coordenados por um instrutor. São aulas nos parques, deveres de casa nos salões paroquiais ou nas igrejas evangélicas, esportes nas quadras e clubes dos bairros, e muitas outras possibilidades que se abrem nesse caminho inovador e criativo.

Além de garantir as aulas e o rigor acadêmico, a escola torna-se pólo coordenador de um conjunto de interações com a sociedade, permitindo ao jovem se relacionar com o conhecimento e as experiências de seu contexto social e familiar. Assim, surgem lideranças positivas pelo exemplo e pela convivência, que vão desde o pastor ou o padre até o padeiro, a esteticista do salão da esquina ou o professor de capoeira que cedeu sua academia e seu tempo ao projeto.

Enfrentar os desafios do presente com os olhos postos no futuro: essa é a prática da escola integrada. Ao fim e ao cabo, o sucesso terá sido transformar a cidade numa grande e acolhedora sala de aula.

N. da R.: Roberto DaMatta está em férias.

FERNANDO PIMENTEL é prefeito de Belo Horizonte.