Título: Ponto de mudança
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 25/07/2007, Economia, p. 26

Se um estrangeiro completamente desinformado chegasse ao Brasil e fosse observar os dados do setor aéreo do país conseguiria ver, com clareza, que, a partir de um determinado ponto, deu-se um nó aeronáutico. Os gráficos abaixo mostram bem isso. A pontualidade foi para o espaço, o número de mortos em acidentes saiu completamente da curva. Hoje os vôos estão hiperconcentrados em duas empresas e dois aeroportos.

Vejam só os gráficos. Por eles, mesmo um desavisado poderia perceber que algo de muito grave está acontecendo no setor aéreo brasileiro desde novembro do ano passado. O dado de pontualidade, por exemplo, indica que, antes do fim de 2006, tanto Gol quanto TAM eram pontuais em quase 100% dos vôos. Desde então, a curva começa a cair e não volta a patamares próximos dos anteriores. O índice de eficiência, que é calculado com a pontualidade e a regularidade (um vôo ter feito o trajeto que deveria), mostra variação bem parecida.

Sem dúvida, já seria problemático se se tratasse apenas de metade dos vôos com atrasos superiores a uma hora desde novembro, porém o fato mais grave visto nestes gráficos é o aumento no número de mortes em acidentes. O intervalo de dez meses entre o acidente da Gol e o da TAM fez com que, por dois anos seguidos, ficassem registrados grandes números de vítimas por acidentes aéreos, quando a tendência - salvo 1996, quando houve o acidente do Fokker-100 - era de poucos acidentes com conseqüências graves.

A Anac, incapaz de reagir a essa deterioração e à pressão dos últimos dias, tomou ontem medidas sem pé nem cabeça: praticamente pôs na clandestinidade a viagem de avião. Essa suspensão de tudo, proibição de venda de passagens, é uma decisão estapafúrdia de quem mais uma vez improvisa de forma amadora em assunto grave.

Está aumentando a demanda por viagem de carro, num país onde há também estrangulamento rodoviário. Ontem, uma reportagem do "Valor" mostrava que a busca por passagens de ônibus entre Rio e São Paulo está 35% maior. Para orçamentos mais altos, uma solução tem sido o helicóptero.

Desde que começou o apagão aéreo, alguns empresários estão usando este meio de transporte para fazer viagens curtas.

- Do ponto de vista econômico, a princípio, não valeria a pena. Só de combustível entre São Paulo e Rio são mais de dois mil reais, sem contar os custos fixos, mas, desde que começou esta confusão, muita gente tem feito de helicóptero viagens curtas como entre São Paulo e Belo Horizonte, Rio ou Curitiba - conta Rogério Andrade, presidente da Helisolutions, que oferece um sistema de compra de helicóptero por pool. Por causa da crise, eles anteciparam a oferta do mesmo serviço com aviões, pois aumentou bastante a procura. Quem pode prefere evitar a dependência do duopólio das companhias aéreas.

TAM e Gol juntas dominam hoje 90% do mercado doméstico de vôos. Num mercado em crise e num setor em colapso, é indispensável uma boa agência reguladora. Ontem ficou provado, mais uma vez, que a Anac não entende nada de coisa nenhuma.

De 2004 para cá, o número de passageiros aumentou 35% em Congonhas. Isso não foi só reflexo do aumento da demanda. Foi interesse das companhias e imprevidência da Anac, que não agiu a tempo para racionalizar o uso do aeroporto. Os gráficos abaixo são um retrato da deterioração contra a qual as autoridades não agiram. Decidiram ontem tomar medidas de força como se esse mandonismo intempestivo significasse gestão eficiente. O Brasil precisa com urgência de gente do ramo na Anac.